segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balanço e prognóstico

Caminhamos a páginas velozes para o epílogo do livro 2008, os balanços são inevitáveis, as previsões para o futuro uma tentação. Por aqui deixo uma palavra de apreço por todos quantos fazem o mundo caminhar, principalmente os que o fazem manter-se em órbita e com o equilíbrio necessário para seguir o rumo da paz e da justiça. Não posso deixar de abraçar calorosamente com as minhas palavras os mais velhos, fonte inesgotável de sapiência e sensatez que me fazem querer continuar a crescer, a preencher o espaço interior com que nasci, mais um pouco a cada diálogo, a cada olhar, a cada sorriso destes sábios anciãos. Ter a consciência do quão são desprezados e mal tratados tantas vezes não devia deixar indiferente até mesmo quem não lhes reconhece o devido valor. Na faixa etária extrema temos as crianças e para elas ficam aqui umas quantas palavras de carinho e esperança de que segurem bem esta grande bola onde vieram parar, a protejam e a façam girar como ela tanto gosta – doucement pelo meio de constelações de estrelas que cintilam como reflexos dos seus mares ainda cristalinos. E cresçam com a determinação de ajudar a estrela, símbolo de quem vive a quadra natalícia, a brilhar na vida daqueles que infelizmente tantas vezes não a encontram e entram em cada novo ano sem o optimismo que poderia ser a alavanca para tudo se tornar diferente. Mas para que isto aconteça são os adultos de Hoje que têm o papel principal nas mãos e não podem construir uma Sociedade que permite que uma criança rejeitada por um pai à nascença lhe vá parar contrariada às mãos após alguns anos só por leis cegas, por capricho ou porque sim. Esta é uma entre tantas manchas que não permitem que o Natal seja verdadeiro na sua plena acepção nem permitem que um novo ano comece com a certeza que será melhor e que todos irão remar no mesmo sentido. O futuro chama por todos mas mostra as suas exigências e só com a satisfação das mesmas nos dará a tal certeza que queremos ver ecoada na mente. Não posso terminar sem manifestar a minha consideração pelas pessoas que têm transmitido a sua crítica a este espaço de expressão, mesmo que nem todos aceitem os meus pontos de vista e ainda bem que assim é. A pluralidade de ideias é a luz ao fundo do túnel; neste momento talvez a salvação passe por uma autêntica brainstorming. Senão temos mesmo que levar com a indesejada visita do lobo mau!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Aquela a quem um dia chamei confidente

O meu primeiro emprego pós-licenciatura não conseguiu cativar-me para um mergulho nas entranhas mais obscuras da informática ao contrário de colegas que eu lá tinha que pareciam deleitar-se com toda aquela atmosfera. E o regozijo era tão grande que um deles, talvez em ritual de celebração, tinha como lanche preferido uma sandes dupla de chocolate, que não era mais que um pão aberto com outro pão dentro e um chocolate bounty no interior. Quando passava por mim, o cumprimento da praxe “Tudo?!”, e eu lá respondia mudando o ponto (de interrogação ou exclamação, nunca percebi qual dos dois) para um simples ponto final ou até umas reticências, consoante o estado de espírito… A ideia até deveria ser eu sentir-me lisonjeado pela reacção das pessoas quando sabiam onde eu trabalhava mas a verdade é que, ao passar na entrada e acenar ao porteiro de serviço a minha consciência apercebia-se que era o último momento de alegria do dia até à hora de saída, em que o aceno levava uma carga extra de alívio a acrescentar à felicidade.
Provavelmente estou a exagerar mas quando um simples aceno ao porteiro (não querendo de forma alguma desprestigiar o cargo) constitui uma marca na memória de um passado já com uma certa distância, alguma coisa há-de significar. Ainda se fosse uma porteira com rasgado sorriso mas nem era o caso. Distância essa multiplicada por tudo de bom que já tive o privilégio de fazer depois dessa etapa. E como é óptima a terapia oferecida pelas coisas boas que nos acontecem quando temos algo pendurado a que queremos dar uma tacada para qualquer buraco negro…
Mas a recordação mais marcante desse tempo será sempre aquela amiga, a minha confidente, quase um anjo da guarda. Não quero desconsiderar as pessoas que lá conheci e até contactei com gente porreira mas com essa amiga desenvolvi uma relação espiritual intensa, diria até intensamente libidinosa! E tudo por causa daquela sala sinistra que me atribuíram como posto de trabalho durante meses a fio. Era eu e alguns computadores e servidores à minha volta; por vezes irrompia gente por aquela porta envidraçada, falando, barafustando, uns furiosos com as máquinas, alguns com bolas anti-stress, outros com um cigarro na boca e mais um na mão, pronto para ser o próximo prego?, pior que isso, ali entre os dedos esquecido, o que dá para ter uma ideia das dependências, dos vícios… mais da máquina que da própria nicotina. A sala podia considerar-se também um museu – à minha frente uma parede de vidro permitia vislumbrar as antigas máquinas com que se trabalhava na antiga companhia nacional de telefones em tempos idos, saudosos para uns, desconhecidos para outros. Após a breve satisfação da curiosidade, decido espreitar por uma das janelas laterais que oferecia uma magnífica vista… para o cemitério. Mas prestando atenção a outra dava de caras com ela, e desvendo aqui a misteriosa e fiel amiga que entrou na minha vida naquele tempo, bem segura e emproada, lá estava ela – a Árvore.
Com o tempo tornou-se a minha confidente, e foi escolhida por não encontrar perfil em ninguém para o ser relativamente ao que me ia verdadeiramente na alma, nem mesmo a pessoa com quem partilhava mais segredos na altura. O que eu tinha para dizer era de grau que me ultrapassava a mim próprio e, por conseguinte, a razão de qualquer ser da minha espécie. Por isso aquela árvore era a mais indicada; para ela, que aguentava ali estoicamente de pé há tanto tempo, o que eu tinha para dizer não lhe faria dobrar de espanto um só ramo. Enquanto ouvia o que me ia na alma, deixava-me assistir ao seu ciclo periódico de vida, desde o nascimento das primeiras folhas que a iam pintando com uma manta verde que daria abrigo daí a quase nada a tantos e barulhentos pássaros que vinham dificultar a conversa, talvez ciumentos daquela nossa cumplicidade. Os dias passavam, contavam-se as semanas, arrastavam-se penosamente os meses, e eis que chegava a estação em que, de forma ousada, ela começava a despir-se até se mostrar completamente fazendo-me ruborizar a mente (vá lá que a minha timidez, vergonha e afins não se mostram na face, é um trunfo que eu fui aprendendo a usar desde miúdo…).
Um dia mudaram-me de sítio e aí sucumbi; concluí que a árvore era o elo que me prendia àquele lugar estranho; fui embora e passei a dedicar-me ao que faço hoje, ficando por saber até quando. Acenei pela última vez ao porteiro, sem nostalgia mas lamentando não a poder trazer comigo. Agora que a lembrança trouxe a saudade, ganha força a ideia de um dia destes lhe fazer uma visita e talvez ganhe também coragem para a abordar com um assunto melindroso a fazer lembrar as dúvidas na cabeça de Manuna (protagonista do livro “as micaias de manuna” do escritor Augusto Carlos - um bom livro para quem quer compreender os porquês com que alguns miúdos adoram brindar os pais e quem mais lhes apareça à frente): porque te despes tu quando nós mais roupa vestimos?
Lamentavelmente não a posso cá apresentar mas fotografei uma que ilustra bem alguns traços que eu vejo na existência de todas as árvores que conheço - solidão e resistência.

Se eu fosse Pablo Neruda ou pelo menos o seu carteiro, escrevia-lhe uma ode; sendo quem sou e a mais não podendo aspirar, limito-me a eternizá-la nestas simplórias palavras...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Deixo aqui os meus votos de feliz Natal neste momento, consciente de que na sociedade dos nossos dias até já venho tarde. Dois meses antes do seu dia entra-nos – acredito que sem vontade própria – por portas e janelas entreabertas fazendo a maioria sucumbir à parte negativa do espírito natalício, a consumista. É nesta época que as pessoas costumam igualmente sensibilizar-se para actos de caridade. Não deixo de louvar mas gostava de ver essa boa vontade distribuída por todo o ano, incluindo-me obviamente nesse extenso rol. Quem precisa de ajuda, carinho e atenção vive, tal como os outros, os mesmos 365,25 dias todos os anos. Nos últimos tempos, mesmo não sendo espectador minimamente assíduo de programas de informação, a palavra que mais ouço é a inevitável “crise”. Pois lembrei-me de algo que pode dar um ténue contributo para fazer as nuvens partirem e o céu azul voltar a brilhar no rosto dos mais afectados. O meu gesto será abandonar a minha costela comodista, preguiçosa, de comprar as prendas nas grandes superfícies e fazê-lo no comércio tradicional, de rua, com sol, chuva, vento, tempo quente ou frio, não interessa. Uma grande superfície aguenta-se bem sem uns quantos consumidores mas cada pequeno estabelecimento que encerra portas é o fim de postos de trabalho mas também o fim de um sonho. Ora se quando o homem sonha, o mundo e avança, com certeza que, não um mas muitos pequenos pulos farão o mundo girar na direcção certa ao sabor de sonhos ressuscitados. Apenas não sei se consigo fazer uma coisa diferente dos outros anos - comprar as prendas mais cedo. É complicado fazer diferente pois se o Carnaval são 3 dias, para mim o Natal são os 3 dias anteriores para a compra dos presentes e preparativos, o próprio e os 3 seguintes para o convívio e (re)fortalecimento de laços (e as gulosices pois claro). E como é bom partilhar esses momentos com os meus irmãos após meses de afastamento, que a vida assim obriga. Feitas as contas, o meu Natal são 7 dias, o número perfeito!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eis que o fado regressa ao blogue

É a segunda vez que falo cá de fado. Desta feita não para enaltecer alguém de reconhecidos méritos mas para falar um pouco de uma voz que a maioria do grande público desconhece mas que eu tenho o prazer de conhecer pessoalmente quer como colega de trabalho quer como amiga, tal como comprova a dedicatória deixada pela pena da dona dessa voz na contracapa do disco que adquiri. Não é porém esta condição que inibe a isenção com que irei bradar estas despretensiosas linhas.
É a Ana Guerra com a sua “Maria das Quimeras”, um álbum que atinge na plenitude o que mais procuro numa história cantada – o vício. Posso dizer que não é amor à primeira vista mas de cada vez que o deixo rolar na aparelhagem já só espero pelo final para repetir a dose.
Quem tiver o privilégio de ouvir seus fados viajará num carrossel de emoções desde a velocidade de corridinho saltitante em “Quem brinca com fogo” onde podemos recordar sábios ditados populares até à velocidade cruzeiro com sonoridade que a minha (in)cultura musical lembra Rodrigo Leão em “Quero ser somente”. E que bem que Camões regressa após séculos no seu sono profundo com o seu “Amor é fogo que arde sem se ver”. O berço deste sentimento entoado nos seus bairros castiços também não é esquecido pois “Lisboa é sempre Lisboa”. E que tal naufragar na fatalidade de encontros e desencontros, montanha-russa de emoções que habitualmente caracteriza o fado em “Encontrei-te mas perdi-te”? Igualmente fatal é a interrogação de qual é o melhor capítulo da história. Muito difícil a escolha mas, para além dos que já referi, destaco ainda “Dizem que o fado nasceu” cuja melodia se solta agora mesmo nas paredes que me rodeiam e “Saudade vai-te embora” com uma mistura deliciosa de acordes (aqui aproveito para homenagear os responsáveis pelos sons libertados pelas cordas dos instrumentos, em especial a guitarra portuguesa).
E já que se fala em destaques não posso esquecer Vítor Reino que as palavras de agradecimento da Ana “O seu talento extasiou-me” bem ilustram e de que não duvido a olhar à amostra do que conheço do seu trabalho ao comando do grupo Flamma Voccis,
que já me deliciou o espírito algumas vezes.
Agora que chegou ao fim uma vez mais e o silêncio impera nesta casa, fiquei a pensar que se não gostasse tanto oferecia-o à pessoa que mais admiro e que por sua vez admira o fado – a minha mãe. Mas vou emprestar-lhe, antes que se risque, pois tudo o que é bom na vida só o é para mim se for partilhado. Gosto de ver a marca que as sensações que me tocam os sentidos deixam nas outras pessoas.
Em suma, se na Ana Moura destaquei a voz quente, roucamente aveludada, na Ana Guerra enalteço a voz poderosa, altiva, atingindo ambas mas com textura diferente os mesmos píncaros da guitarra e as nostálgicas vibrações das suas cordas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Os olhos do próximo são o melhor espelho

Imóvel no meu banco relativamente confortável, relativamente é uma palavra bem empregue porque, para o que quer que seja, encontramos sempre algo nos intervalos adjacentes inferior e superior numa escala que, por si só, já é bastante subjectiva.
Colado à janela levo a companhia do sol que vai aquecendo todos os seres mais ou menos inanimados mais ou menos seguros pela gravidade emanada das profundezas do solo que vão palmilhando desde a alvorada. As gotas de orvalho suspensas nos braços descascados das árvores geometricamente separadas há muito que se eclipsaram. Os raios de luz que transpõem a massa gasosa que define a forma esférica do planeta deixam-me num estado febril que a custo vou resistindo para não me deixar levar pelo sono provocado. Como que reagindo à hipnose giro a cabeça para a janela oposta e avisto uma encosta forrada por um manto verde e castanho respectivamente pintado pela diversidade de plantas e pela vegetação amadurecida que um par de cavalos brancos vai consumindo em saudável competição. Este cenário preenche quase toda a janela, deixando espaço apenas o suficiente para se ver que o céu está azul vivo riscado de sangue branco que as passarolas (como diz Saramago no seu Memorial do Convento) a motor provocam ao rasgá-lo sem dó nem piedade a velocidade estonteante. O mesmo céu que se reflecte no rio, entretanto emergente na paisagem, cruzado por duas pontes que apresentam duas eras na construção, a do ferro e a do betão, no meio das quais um solitário pescador no seu barco suspenso sobre as águas pacíficas, esperando irredutivelmente que alguém morda o anzol, vê a imagem dos seus olhos ser devolvida pelo frio espelho e, através dos quais, o reflexo de todo o cenário que aqui se vê transcrito num pequeno excerto, consciente que está quem escreve de que seria um desafio tão exequível descrever tudo o que vê como conseguir esconder-se da sua própria sombra...

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Salada de fruta com castanhas


É dia de São Martinho... Mas já há bastantes dias que podemos contemplar o belo quadro citadino com o assador de castanhas ao fundo da rua, o fumo subindo enrolado pelo vento. Ouve-se o apregoar das quentes e boas que ganham aquela encantadora cor de carvão esbatido que dá vontade de tatuar nas mãos, o perfume que se solta é inebriante. Pois, lamento ser desmancha-prazeres mas não sou grande apreciador do fruto, apenas do cenário. Adoro as castanhas é quando me surpreendem no prato, a ligação com alguns ingredientes é sublime.

Eu até gosto bastante de fruta, quando consigo vencer a preguiça de a preparar. Nesta altura do ano surge o carnudo, suculento, … dióspiro. Já ouvi dizer que com canela fica-se sem palavras, tenho-me esquecido mas um dia destes experimento juntar a minha especiaria de eleição, antes que se vão embora mas vá lá que aparecem entretanto as romãs recheadas de bagos cristalinamente rosados e apetece comer um a um como se contam as pétalas dos malmequeres, devagar... Após o magnífico cenário que as suas progenitoras proporcionam aparecem de par em par as pequenas mas irresistíveis cerejas e depois do adeus deixam o protagonismo para o melão que refresca qualquer Verão, seja de entrada ou de sobremesa. Não podia cá faltar o "fruit de la passion", não há doce de maracujá que eu não aprecie, aparecendo sozinhos então tornam-se um vício imparável. E para terminar o ciclo da fruta vêm as uvas mas no caso destas, o que é perfeito é o néctar que delas escorre e que Baco e muito mais gente não resiste!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Espionagem no comboio da aldeia global

Já toda a gente se apercebeu que sou um adepto incondicional do comboio, era capaz de dar a volta ao mundo sobre carris se fosse possível. Ao ritmo do “pouca-terra” descontraio, observo, sonho, vivo…
A juntar a esta amálgama de sensações acrescento o facto de, ali sentado, poder discretamente olhar nos rostos cansados do trabalho, deprimidos com a vida, preocupados com algum problema recente, resignados com um não tão recente, ávidos pela partida, ansiosos pela chegada, animados em conversa de grupo, mexidos pela música que toca no leitor de MP3 (alguns em altos decibéis como se os outros tivessem pedido para que fossem o seu DJ de serviço), concentrados na SMS acabada de chegar, apressados a responder, atentos na leitura, distraídos na conversa ao telemóvel, alguém menos distraído a falar com alguém que está em França partilha de forma preocupada informações sobre a crise transmitida por outros parentes que estão nos States e no Japão, a aldeia global em todo o seu esplendor, até na crise... Há ainda olhares perdidos no horizonte, um a ler um livro que eu já li (será que imagina o final surrealista?), outros a ler livros que eu não li (fico com curiosidade de uns, de outros nem por isso), alguém que tenta ler a todo o custo o de outrem e fica rezingona por virarem a página sem ter chegado ao fim, quem a manda ser impertinente?, há também os novos leitores (os da imprensa gratuita), os obcecados por palavras cruzadas que buscam desenfreadamente uma solução difícil num compartimento algures esquecido do seu cérebro, e não esquecer a mulher que dá os últimos retoques na maquilhagem. O que mais me faz confusão é ver gente a ler de pé; é que, para mim ler é como comer, tem que ser sempre sentado para saborear bem cada palavra.
Entretanto alguém já se deve ter apercebido que eu também aproveito a viagem para fazer alguma coisa, espero é que não percebam que desta vez estou a fazer espionagem… tento disfarçar olhando Lisboa pelas janelas de ferro da ponte, hoje parece-me mais entorpecida pelo sono, ou então serei eu porque dormi bem menos do que o tempo que preciso para usufruir desse prazer que a vida me dá e atiro as culpas injustamente à cidade.Voltando com os olhos para as pessoas reparo numa rapariga que, impaciente, pensa em voz alta no que está a ler e vai tirando pequenas notas. De repente, surpreende-me com a pergunta de qual é a próxima estação mas num sotaque americano bem engraçado e rosto espanhol?, italiano? Lá atirei com as vulgares hipóteses mas nada disso!, francesa de gema – mas sossegou-me porque é normal não acertarem, uns vêem traços árabes, outros judeus,… confuso? Talvez, mas penso que ela simboliza bem o que podemos ser todos nós – o resultado da encruzilhada cada vez mais entrelaçada de gente que um dia partiu do mesmo ponto, se dividiu, se moldou, se definiu para muito tempo depois se (re)aproximar, se (re)misturar, se (re)fundir. Curiosamente, o livro que ocupava a rapariga que nem o nome sei, talvez ande por cá em Erasmus, tinha como título “Anatomia do Corpo Humano”. Eloquente? Eu sei que não!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O último dia dos sorridentes 30 anos

É o último dia dos meus 30 anos, 6ª feira, estou pronto para cumprir a minha rotina de rumar ao Norte dos últimos anos, desde que adoptei a Escola Secundária de Amora e a região que a envolve pintada de multiculturalidade, cheia de saberes e sabores lusófonos de aquém e além-mar.
Aproveito para sair um pouco mais cedo e fazer uma descontraída 'promenade' fotográfica por Lisboa, ao encontro de espaços que ainda não explorei. Rumo ao Campo Pequeno e contemplo a monumental praça, sigo a Avenida da República (esta em comemoração de quase um século de vida), bloqueio nas obras do metro obrigando-me a desviar mas um desvio perfumado pois, na esquina seguinte, invade-me o aroma do café oriundo de Timor, São Tomé e Príncipe, Brasil, …, de uma loja tradicional que por momentos transporta-me até distantes e encantadoras paragens. Vagueio sobre as pedras abrigadas pelas árvores do parque verde da Fundação do grande benemérito Calouste Gulbenkian, ouço os pássaros, percorro com o olhar a rota dos patos no lago, perco a noção da cidade lá fora. É este bálsamo mágico uma dádiva destes espaços que rejuvenesce quem os visita.
De novo na confusão subo até ao Jardim da diva, Amália Rodrigues, suspendo os meus olhos no horizonte desde os geométricos jardins do Parque do monarca britânico, Eduardo VII de seu nome, até ao vaidoso Marquês de Pombal que do alto do seu pedestal espreita o Tejo ao fundo, espelho da “sua” Baixa e dos bairros que rivalizam anualmente na Avenida que por Liberdade a tomaram e por entre os quais escorre. Exploro a Estufa Fria, e a Quente também, para de seguida me deixar levar pela brisa que sopra em direcção ao rio. Meia cidade percorrida e chego enfim a Santa Apolónia, imortalizada pela chegada do general “sem medo”, Humberto Delgado.
É na estação que avisto alguém que a minha memória vislumbra de tempos idos da Universidade. Não sei o nome mas ainda não esqueci que ao seu lado fiz alguns exames; provavelmente nem me conhece mas gostei de o rever, saber que por cá anda, com a batuta da vida na mão, fazendo o seu percurso de forma acelerada. E que nostalgia me deixou a pensar no que seria a nossa vida se pudéssemos ter por perto toda a gente que vamos conhecendo e que nos enriquece a existência. Não sei se seria bom mas deixa-me bastante curioso. E porque não um desafio mais ambicioso: cada um conhecer toda a gente deste mundo; descermos à rua e com quem quer que nos cruzássemos saberíamos exactamente quem tínhamos pela frente. Teria pelo menos um efeito negativo, perdia-se o mistério do rasto que rostos desconhecidos que os nossos sentidos encontram a todo o instante deixam quando lhes perdemos o alcance.
Agora que os vinhedos ribatejanos passam pela minha janela e nos campos convivem sadiamente touros e cavalos (será que imaginam o confronto que os humanos um dia lhes determinam?, quem sabe na praça onde comecei o meu passeio...), é hora de deixar a caneta e o papel e passar os dedos por uma revista de viagens. A imagem de capa desafia o sonho, nada mais que o Transiberiano que me faz saltar da real viagem do Intercidades para a imaginária Grande Travessia Intercontinental. Um dia, talvez…




segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Desilusão? Nada disso!

Obviamente olho para os resultados globais dos atletas portugueses em Pequim com algum desalento mas com certeza, seria patético afirmar o contrário, ninguém estará mais frustrado neste momento que os próprios atletas que ficaram aquém das expectativas.
Mas digam lá que mais se pode exigir de pessoas que dão (quase) tudo das suas vidas para atingirem os mínimos, para se prepararem para a derradeira competição, depois das condições que damos à grande maioria? Não digo que são miseráveis, até tem havido algum esforço das entidades “superiores” nos últimos tempos, mas fazendo uma comparação com os restantes países facilmente se vislumbram as diferenças abismais. Ou será que estou a ver mal e afinal estamos na China a competir sozinhos? Alguns até quase abdicam das outras competições internacionais para se apresentarem nas Olimpíadas na máxima força. O desabafo de Gustavo Lima (a medalha de bronze era inteiramente merecida) leva-me para as acusações sobre o dinheiro que se gastou com a preparação dos Jogos. Parece muito? É só dividir esse valor pelo número de atletas e comparar com os prémios individuais dos jogadores da selecção de futebol quando vão às fases finais e lembrar que um dia estes meninos tiveram a distinta lata de pedir isenção fiscal aos seus prémios. No mínimo, os que actuam em grandes clubes, deveriam doá-los, que falta lhes faria? E já que dizem que lá vão pelo orgulho pátrio, que necessidade existe para se atribuir prémios? Portanto, o desabafo do Gustavo faz todo o sentido e, se querem mesmo obter mais medalhas, não há outro remédio que não seja oferecer todas as condições. Senão, resta-nos o consolo de os ver lá com dignidade e, esta, ninguém pode pôr em causa. Que ninguém se sinta envergonhado!
Para a história ficam as medalhas de ouro para Nelson Évora (não vou esquecer o abraço emocionado depois do seu último salto àquele que de vizinho quando chegou de Cabo Verde passou a treinador, João Ganço, a ele se deve muito o êxito) e de prata para Vanessa Fernandes (numa palavra, BRILHANTES). Mas todos os atletas portugueses, pelo esforço, dedicação e ambição ganham a medalha de diamante, são os heróis nacionais.
As piores reacções tiveram o epicentro a partir das declarações de Marco Fortes após o seu mau resultado. No momento achei as mesmas um pouco despropositadas mas rapidamente percebi que o homem por detrás do atleta usou o sentido de humor para mostrar a sua frustração. Agora deu para perceber que em Portugal, para além de se atirar pedras logo ao primeiro desaire, também há muitas “flores de estufa” que se melindram muito facilmente. Haja sentido de humor, precisamos de mandar embora o cinzentismo estampado no rosto deste povo. Os sorrisos combinam melhor com as belas paisagens deste pequeno rectângulo ajardinado …
E o que será mais grave? As declarações do lançador do martelo ou do Presidente do Comité Olímpico Português que num momento diz que se vai embora e depois do resultado do Nelson já fica? Isto soa a “agarrado ao tacho” independentemente das competências que tenha até aqui demonstrado… A nossa atleta de salto Naide Gomes entrou na prova (pouco depois das declarações de Vicente Moura) visivelmente nervosa mas Presidente é Presidente e por isso não se questiona o timing completamente despropositado utilizado para fazer balanços.
E se fossem atletas lusos a deixarem cair o testemunho na prova de estafetas como aconteceu com a equipa norte-americana feminina, ainda por cima uma repetição do sucedido nos jogos anteriores?
Às vezes até é positivo não se ser muito patriota para se olhar para certas coisas com isenção e objectividade. É que, apenas um pormenor a acrescentar a tudo isto, esta foi em termos globais a melhor participação de sempre de uma delegação portuguesa numas olimpíadas. E esta, hein? Um abraço ao eterno Fernando Pessa, a quem roubei a sua tirada final de cada reportagem!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

From London with Love



O ar cosmopolita com que se depara quem entra nos principais bairros londrinos pode bem ser o click para se desfrutar plenamente de uma estadia mais ou menos demorada por esta cidade que também é special one.

Há um sem número de aspectos que se podem destacar pela positiva como sejam a limitação do tráfego automóvel que permite às ruas pintarem-se de vermelho dos double decks e negro dos táxis castiços (embora algo adulterados pela publicidade em que até o Allgarve participa); a funcional rede de metro e comboio que chegam a todo o lado a preços acessíveis; a qualidade de vida que se respira de que são exemplos os enormes e bem zelados espaços verdes habitados por frondosas árvores que abrigam esquilos e quem mais o pretender; os fins de tarde descontraídos, pára-se num pub e bebe-se uma cerveja por entre dois ou mais dedos de conversa...

Mas nem tudo são rosas cor de rosa como a da nossa Ana Moura, por exemplo a face escura e degradante de bairros limítrofes próprios de uma grande metrópole; alguma degradação e lixo acumulado em algumas estações do metro; o Thames parece não ter a mesma sorte dos jardins e monumentos pois recebe o que não pede e leva com continuadas construções demasiado em cima das suas águas - quem sabe um dia ainda se revolta...

Entre o que se destaca pela positiva e pela negativa há espaço para surpresas. Para mim em particular destaco Greenwich, com magníficas vistas para o rio e a cidade, do alto da sua encosta relvada, a sensação de estar com um pé de cada lado do Mundo, dividido pelo meridiano que nos orienta o relógio.

E finalmente um apontamento digno de um verdadeiro sortudo, o tempo esplendoroso que encontrei contrariando as habituais expectativas que pairam no ar quando se diz I'm going to London...

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Quem sonha fica mais perto de alcançar

Este texto é dedicado aos alunos da minha turma Extra-Escolar que há pouco me pregaram uma grande partida de final de Curso (esta dedicatória estende-se à turma que fez o Curso no 1º trimestre pela qual nutro sentimento semelhante). Quando se leva com uma partida destas é impossível ter uma reacção serena, racional... e tudo o que se disser é o coração a falar mas um coração emocionado acaba por não dizer tudo o que se pretende pelo que vos escrevo estas palavras para vos fazer o justo agradecimento. Adorei os bolos caseiros (de chocolate da Mª do Carmo; de mármore da Mª José e de requeijão da Mª Vitória - Nham Nham Nham - acompanhados por um Porto pois claro :-))) A carteira realmente estava a precisar porque a minha já andou pela guerra... mas não precisavam ter gasto dinheiro, o brilho que eu vi nos vossos olhos foi o melhor reconhecimento que eu poderia almejar.

"Adoptei-vos" desde o primeiro instante pois cedo percebi que tinha ali um grupo com quem poderia fazer coisas muito interessantes e ver-vos crescer no mundo da Informática foi um prazer que me fez chegar a cada 3ª, 4ª e 5ª à noite cheio de vontade de vos encontrar. Neste momento já sou eu que tenho um forte brilho nos olhos, de saudade mas também de regozijo por poder dizer que vos tive como alunos; foram mais do que isso e percebi hoje que vocês sabem bem que o foram...

Ter uma turma assim ajuda-me a crescer como professor mas, acima de tudo, como ser humano. Proporcionaram-me grandes momentos de humor mas também me presentearam com a vossa entrega, perseverança, sabedoria, com a vossa humildade... Por isso, posso dizer que hoje sou um homem mais rico (com carteira nova e tudo :-))))

Termino com um poema de António Gedeão que se transformou na célebre música de Manuel Freire, que vos dedico porque a letra encaixa plenamente na forma como eu vos vejo a chegar à escola com o caderno debaixo do braço.
Obrigado por terem passado pela minha vida, de forma breve mas marcante! Um bem-haja a todos...

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Viagem por grandes obras...

Num dos últimos textos que publiquei ia falar de grandes obras de escritores portugueses que tenho (re)vivido mas comecei pel"Os Lusíadas" e não mais avancei. Deve-se, sem dúvida, à sua infinita grandiosidade! O que vou cá destacar é uma colecção de romances que uma conhecida cadeia de supermercados decidiu re(apresentar) a preços convidativos e com uma imagem renovada. Adorei viajar com Almeida Garret pelo Tejo e pelo vale até Santarém (apenas discordo dele num apontamento final em que se manifesta em absoluto contra os caminhos de ferro que estavam a surgir na altura e apela à construção de estradas de pedra para cavalos e diligências percorrerem o país; discordo porque o comboio é o meu meio de locomoção favorito; uma viagem de comboio produz sensações incríveis, olhamos pela janela e assistimos a um filme de imagens animadas e coloridas que a natureza nos oferece, mas não precisa de ser muito rápido - o TGV dispensa-se - pois a viagem impõe-se descontraída e saboreada; quando se dá conta já estamos no destino e, por isso, a viagem não deixou de ser rápida como sempre se pretende; mas também acredito piamente que se o grande escritor vivesse hoje dispensaria muito bem as estradas e iria apreciar uma viagem sobre carris...). Viajar de carro até pode ser prático, viajar de avião até pode ser rápido, viajar de barco até pode ser delicado, viajar de bicicleta até pode ser saudável, viajar a pé até pode ser sabedoria mas viajar de comboio é isso tudo e mais, é magia...

Mas retomando as grandes obras, foi óptimo deambular com Eurico (guerreiro visigodo de Alexandre Herculano que se converte em Presbítero ao ver-lhe negado o amor a Hermengarda) de Toletum (Toledo) até aos cerros escalvados do Calpe (Gibraltar) de onde se avistavam bem perto os cimos das torres de Septum (Ceuta); dos campos de guerra da região de Híspalis (Sevilha, na altura dos romanos também conhecida por Rómula) até ao refúgio (Covadonga) das Astúrias onde não aceitou resignar-se. E que dizer do tresloucado Amor de Perdição de Simão por Teresa de Camilo Castelo Branco que os leva de Viseu até ao enclausuramento no Porto? E as Pupilas do Senhor Reitor (Margarida e Clara) de Júlio Dinis com as suas vivências cruzadas com Daniel no Alto Minho. E, obviamente, não poderia faltar o amor incestuoso de Carlos e Eduarda em "Os Maias" de Eça de Queirós, obra em que o escritor não poupa a decadência moral de então da 'alta' sociedade da capital e não só. Resta dizer que muito do que estes homens nos legaram através dos seus livros mantém-se actual, para o bem e para o mal...


Agora que este vício me invadiu, estou já a preparar a minha próxima viagem no tempo que pode ir desde A Cidade e as Serras ao encontro com A Morgadinha dos Canaviais e aproximar-me da actualidade com Mau Tempo no Canal, A Selva, Aparição, Memorial do Convento, A Sibila e tantos mais...

Aproveito para deixar aqui uma mensagem pelo seu aniversário à maior gladiadora da vida que alguma vez conheci, a minha mãe. Parabéns e muitos anos para me continuar a aturar!

quinta-feira, 20 de março de 2008

If I Saw You In Heaven?

Hoje começa a Primavera e invadem-nos novas sensações, coloridas pela variedade de essências que a Mãe Natureza nos presenteia. E como é bonita de viver a Primavera da Vida que há muito tempo canta o Rui Veloso, este ano com um sabor mais doce porque surge em plena época da Páscoa com os seus ovos, amêndoas e tradições típicas de cada região. Como é rico este país em diversidades de todos os quadrantes nas suas pequenas divisões geográficas, diversidades vistas pelos olhos de alguém cuja condição meio apátrida permite alguma isenção.

Mas este dia é especialmente marcante para mim porque o Quim comemorou exactamente há um quarto de século o seu 16º aniversário o que quer dizer que, se não lhe tivesse sido roubada a vida nesse mesmo ano, hoje estaríamos a comemorar as 41 Primaveras do meu irmão mais velho. Devo dizer que sou um quase agnóstico ou pelo menos algo céptico relativamente às religiões; até acredito que haja uma força exterior que nos transcende e não fico indiferente a manifestações de fé como já presenciei algumas vezes mas nada me toca mais que a companhia do meu irmão desde que partiu e que eu sinto a celebrar comigo todas as coisas boas que me acontecem e a apoiar-me nos momentos mais difíceis.
Quando partiste ouvi muita gente dizer que a nossa mãe tinha ficado sem o filho mais velho mas tinha ficado com um muito semelhante e cujo o rosto não te deixaria cair no esquecimento, o sétimo filho, eu... Esses comentários não me deixaram indiferente mas a herança que me deixaste de que mais me orgulho é a forma grata de olhar a vida, de a encarar com optimismo. Não duvido que a herdei de ti porque, apesar da minha tenra idade na altura, bem me lembro o que a tua forma de ser provocava em todos nós. Gostaria imenso de ver a expressão do teu rosto em tantos momentos... o que mais destaco é o nascimento da nossa sobrinha mais velha há exactamente 10 anos, a Rita. Talvez tenha nascido a 20 de Março para preencher de alguma forma o vazio que a tua partida nos deixou, talvez tenhas mexido os cordelinhos para que tal acontecesse de forma a não nos esquecermos de ti. Podes acreditar que nunca te esquecerei porque imagino-te através da energia que sinto caminhar ao meu lado e que não me abandona e que eu sei que és TU!

Obrigado irmão, um brinde a ti e à Rituxa, parabéns!
P.S.
Revelo-te agora que, desde que conheço a música "Tears in Heaven" de Eric Clapton, a associo sempre a ti:
Would you know my name
If I saw you in heaven?
Would it be the same
If I saw you in heaven?
Para quem leu este texto fica o endereço onde pode ver a interpretação da música:

terça-feira, 11 de março de 2008

Avaliação dos Professores

Tenho lido muitas opiniões sobre o reboliço em que os docentes se viram envolvidos nos últimos tempos. Considero importante que todos os docentes se afirmem peremptoriamente, repito, peremptoriamente, a favor de uma avaliação. Como em qualquer outra actividade, há bons e maus professores, profissionais e incompetentes, pelo que urge separar o trigo do joio a fim de voltar a credibilizar aos olhos da Sociedade esta mui nobre profissão e de garantir o merecido reconhecimento que em tempos granjeou.

Mas de que forma?

1.De forma a empreender uma segregação na classe, elevando ao topo da pirâmide alguns BONS professores, distinguindo-os de muitos outros igualmente BONS professores, só porque não há dinheiro para pagar a todos os BONS?

2.De forma a valorizar o preenchimento de uma cada vez mais exorbitante quantidade de papelada ambígua que estrangula o tempo necessário para se encontrar estratégias para aumentar a produtividade das aulas?

3.De forma a contribuir para que a fraude ultrapasse pela direita a verdadeira dedicação à causa?

4.De forma a vedar o acesso ao exercício a novos docentes que não consigam atingir um determinado resultado numa prova de acesso, depois das muitas provas no percurso académico? O que significa isto, uma avaliação por antecipação ou uma forma perversa de combater o desemprego na área? Ao que tudo indica, quem não conseguir atingir os mínimos nem professor se pode designar.

5.De forma baseada no parecer dos gestores das novas escolas autónomas? Mas é preciso cuidado porque a autonomia mora ao lado do livre arbítrio de quem tem o poder; como é que os gestores dos estabelecimentos verão a sua "imparcialidade" fiscalizada?

6.De forma a, assentando os seus pressupostos nos resultados dos alunos, contribuir para a gestação de "analfabetos" que irão um dia destes tomar conta do país nos seus mais diversos sectores? Não será preocupante cair-se numa lógica de facilitismo desmesurado só para se atingir elevadas taxas de encartados? A UE vai ficar contente com os números; algumas pessoas neste rectângulo à beira-mar desenhado radiantes; a maioria dos alunos indiferente porque sabem que não precisam de esforço para chegar à meta, chegam de qualquer forma; uma boa parte dos professores desalentada ao ver-se involutariamente atada de forma umbilical a esta realidade. Todas as medidas que retirem aos ombros dos alunos o peso da exigência são medidas com elevados custos a médio/longo prazo.


Não é isto que se pretende para a educação; esta constitui um bem público essencial pois é a base do sucesso de uma Sociedade que se preze e, como tal, demasiado sério para se utilizar como um brinquedo. Acima de tudo, impõe-se uma avaliação séria e justa para que a educação continue a ser uma causa à qual apareçam pessoas motivadas para se dedicar.


Por tudo isto, pais deste país, pensem bem no mundo que querem que os vossos filhos construam para os vossos netos! E dirijo-me aos pais porque, mesmo tendo em conta as dificuldades que muitos passam para levar a vida a bom porto, não tenho dúvidas que a eles cabe o maior esforço para que o barco chegue a alto-mar. Se fizerem esse esforço, os professores estarão nas escolas para ajudar os alunos a seguir a melhor rota e enfrentar as tempestades de Adamastor.




segunda-feira, 10 de março de 2008

E este país, será para velhos?

Não fosse eu como São Tomé (ver para crer, a sua filosofia de vida) e já teria comentado a atribuição dos óscares. "Este país não é para velhos" foi eleito o melhor filme e a dupla Joel e Ethan Cohen finalmente reconhecida com a estatueta da realização (o reconhecimento de "Fargo" soube a pouco). Tudo bem, o filme traz o tempero dos westerns para uma realidade mais actual, de uma forma bem satírica, realçando as razões - nenhuma aparentemente - que levam uns quantos malucos a desatarem a cravar-se de tiros. Algumas partes do filme são bem caricatas, para outras nem se apresenta explicação; talvez não seja necessário, talvez não tenha interesse explicar. O problema é esta minha mania de querer encontrar uma explicação bem racional para tudo o que mexe.

Mas, e Quentin Tarantino com o seu Kill Bill e Uma Thurman no papel de vingadora? Pois para mim não houve dúvida na altura que se trataram de 2 grandes filmes (em especial a sequela) mas foram completamente ignorados em Hollywood. Com isto não quero desvalorizar a conquista dos 2 irmãos, bem pelo contrário! Por isso mesmo, será que sopram ventos de mudança no interior da Academia? Terão receio de alguma coisa ou estarão apenas a descortinar novos horizontes? Então e Tim Burton e as suas criações? E Johnny Depp com as suas fantásticas interpretações? Em cada pele que veste é um assombro de talento em acção e sem limites, capaz de dar vida ao boneco mais inanimado. Para mim ele já ganhou mais de uma dezena de óscares e ai daquele que diga o contrário :-)))

E já que falamos em "vencidos" (os vencedores nem precisam de comentários pois se ganharam é porque tiveram o seu mérito) deixo uma palavra para duas pessoas: George Clooney e Saoirse Ronan. O primeiro dispensa apresentações mas a verdade é que quem o vê apenas como o grande galã (e não é atributo que lhe fique mal, eu até me vou candidatar ao lugar quando tiver idade :-))) o melhor é reparar no seu comportamento em "Michael Clayton" e verificar como ele preenche o ecrã com talento puro e não com esse estatuto. A segunda é uma miúda que encanta e deixa boquiaberta qualquer pessoa em "Expiação"; com o seu olhar de serpente não deixa ninguém desviar os olhos do ecrã. Contudo, se ela vencesse, se calhar o título do filme mais galardoado faria mesmo sentido e esse não é, de certeza, o verdadeiro pensamento dos Cohen.
Para o ano há mais, veremos que surpresas a malta cinematográfica nos vai reservando...

terça-feira, 4 de março de 2008

Beautiful Day



O dia até pode não despertar lá muito bem, acordas e a inércia que te impede de pôr um pé fora da cama é superior a qualquer vontade de abrires a janela e provares o aroma da frescura de um novo Sol que vai rompendo o horizonte...

Então a minha proposta é conheceres ou voltares ao sítio desta imagem, uma pintura onde a natureza invade todos os nossos poros e nos deixa um leve arrepio na alma, uma pintura onde as pedras nos contam a sua história e convivem em harmonia saudável com a verde encosta que se desenha até ao rio que a vai serpenteando numa dança leve mas apaixonada, uma pintura onde os nossos olhos se perdem na imaginação do que se esconderá por detrás da neblina que paira sobre a última montanha, uma pintura para a qual o Homem contribuiu com umas pinceladas geométricas sobre a Terra que com a sua efervescência dá à luz o néctar que identifica o nosso país nos confins do Planeta. Mesmo sendo eu um leigo na poesia, atrevo-me a dizer que consigo perceber exactamente o que Miguel Torga sentia enquanto absorvia a atmosfera que envolve esta pintura e a transcrevia para os seus poemas; e empreendo este atrevimento porque sinto a magia apoderar-se da minha consciência terrena e a transportar-me para um mundo novo, um mundo em que todos os dias são dias perfeitos. Eu já lá estive algumas vezes e desfruto sempre cada fracção de segundo, cada milímetro que alcanço, cada sopro de oxigénio no estado puro...

Por tudo isto, a minha audácia ultrapassa todos os limites e aqui levanto o véu do segredo do ninho de Torga; espero que me perdoe!

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

(Miguel Torga)

Quando não estás perante esta paisagem podes fazer como eu: despertar ao som desta música dos U2 que tem uma carga enorme de energia positiva, pelo menos a suficiente para ter vontade de abrir a janela e deixar o Sol entrar, o Sol que já rompeu o horizonte...

The heart is a bloom
Shoots up through the stony ground
There's no room
No space to rent in this town

You're out of luck
And the reason that you had to care
The traffic is stuck
And you're not moving anywhere

You thought you'd found a friend
To take you out of this place
Someone you could lend a hand
In return for grace

It's a beautiful day
Sky falls, you feel like
It's a beautiful day
Don't let it get away

You're on the road
But you've got no destination
You're in the mud
In the maze of her imagination

You love this town
Even if that doesn't ring true
You've been all over
And it's been all over you

It's a beautiful day
Don't let it get away
It's a beautiful day

Touch me
Take me to that other place
Teach me
I know I'm not a hopeless case

See the world in green and blue
See China right in front of you
See the canyons broken by cloud
See the tuna fleets clearing the sea out
See the bedouin fires at night
See the oil fields at first light
And see the bird with a leaf in her mouth
After the flood all the colours came out

It was a beautiful day
Don't let it get away
Beautiful day

Touch me
Take me to that other place
Reach me
I know I'm not a hopeless case

What you don't have you don't need it now
What you don't know you can feel it somehow
What you don't have you don't need it now
Don't need it now
Was a beautiful day

(Bono Vox, U2)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A minha última descoberta musical

Uma das minhas últimas incursões pelas lojas de CDs fez-me escutar com atenção uma voz quente e apaixonada que toca em cada um dos meus sentidos. Essa voz é trazida à superfície por alguém capaz de, se fosse necessário, ressuscitar um estilo que penso eu que um dia se inspirou nos prantos cantados pelas gentes mouras derrotadas, clamando pelo infortúnio do seu destino - o Fado; alguém que o 'veste' com uma nova roupagem. Uma voz que eleva aos píncaros as vibrações das cordas da guitarra portuguesa; uma fadista de corpo e alma: Ana Moura.

Os búzios, Não fui eu, Mapa do coração, Aguarda-te ao chegar, A sós com a noite, Fado das horas incertas são os títulos das faixas que mais aprecio mas as restantes não ficam atrás. Por isso, o melhor mesmo é folhear esta história "Para além da saudade" página a página, linha a linha, letra a letra. Uma história que se complementa com um bónus de alguns vídeos em dvd e com a tradução para inglês ler. Não vou cá citar nenhum dos poemas porque, quem já os conhece sabe do que eu estou a falar, quem não os conhece então espero ter aguçado um pouco o apetite.

Patriotismo?

Nos últimos tempos tenho andado à (re)descoberta de obras ilustres da nossa literatura. Poderia destacar acima de todos "Os Lusíadas" pela grandiosidade épico-histórica de feitos narrados por alguém que provavelmente só o fez porque a sua 'convivência' com os mesmos (não é convivência real pois basta dizer que nasceu quando Vasco da Gama já estava partindo desta vida mas é convivência imaginária só permitida porque palmilhou mais tarde o mesmo percurso do herói navegador) derivou da perigosa ousadia de amar alguém de 'nível' inatingível. Como é feia a segregação, a distinção pela cor da pele, pela religião, pelo dote, pela escolha da sua forma de vida, pelo nome... O Mundo evoluiu mas a diferenciação ainda existe, de forma mais disfarçada pela hipocrisia o que talvez seja mais perigoso pois esta, fazendo jus à sua definição, manifesta-se sem aviso prévio.

Quanto à grande obra cantada de Camões, quem a lê não consegue deixar de se sentir em constante movimento , viajando numa caravela de sonhos entre tudo o que os olhos registam pela primeira vez e o que a imaginação consegue acrescentar, entre um mundo velho e um mundo novo, entre as forças da natureza e a força das figuras míticas. E esta obra tem um efeito adicional sobre a minha pessoa; é que não sendo eu propriamente um patriota, não consigo ser indiferente a esse sentimento quando leio as suas estrofes cantadas. Não consigo olhar para Portugal e para os portugueses como os melhores ou os 'maiores da freguesia' (afinal de contas isso denotaria um certo complexo de inferioridade), apenas avalio as suas características como tento fazer todas as avaliações no quotidiano, o mais imparcial e justo que consigo ser. Mas, entre as muitas qualidades e defeitos, lamento que não se consiga aproveitar da melhor forma a nossa histórica e positiva abertura ao mundo exterior para nos enriquecermos (i)materialmente, para estabelecermos verdadeiras pontes com o que de positivo as outras culturas nos podem trazer. E digo 'positiva' porque acredito nos benefícios da 'aldeia global' que os próprios portugueses dinamizaram há alguns séculos atrás e, por via disso e não só, não nos podemos demitir. Sim, a globalização pode trazer grandes benefícios para todos se assim for a vontade de quem tem o poder da força mas também a força do saber.

Ultimamente até há quem venha com a conversa de Portugal e Espanha se juntarem num só país. Mas será que é mesmo necessário? Haverá ainda quem pense que os nuestros hermanos não nos tenham invadido já há alguns anos?, de forma pacífica e mais ou menos transparente como convém, que não estejam a aproveitar toda a carne que o nosso país tem a envolver o seu esqueleto? Eu cá desconfio de que o próprio tutano não escapa(rá) e, a haver culpas nesta situação, de certeza que não se poderão imputar aos espanhóis. Seria até injusto rotulá-los de oportunistas, talvez melhor lhes fique a etiqueta de 'atentos à oportunidade'.


Entretanto, acho que já sei o que me pode tornar um verdadeiro patriota: ou vou viver para o estrangeiro ou leio mais vezes "Os Lusíadas"! Mas será que o quero mesmo ser?


As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(...)


Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nela
Da antiga tão amada sua Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela,
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.

(Luís Vaz de Camões in Os Lusíadas)