quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Patriotismo?

Nos últimos tempos tenho andado à (re)descoberta de obras ilustres da nossa literatura. Poderia destacar acima de todos "Os Lusíadas" pela grandiosidade épico-histórica de feitos narrados por alguém que provavelmente só o fez porque a sua 'convivência' com os mesmos (não é convivência real pois basta dizer que nasceu quando Vasco da Gama já estava partindo desta vida mas é convivência imaginária só permitida porque palmilhou mais tarde o mesmo percurso do herói navegador) derivou da perigosa ousadia de amar alguém de 'nível' inatingível. Como é feia a segregação, a distinção pela cor da pele, pela religião, pelo dote, pela escolha da sua forma de vida, pelo nome... O Mundo evoluiu mas a diferenciação ainda existe, de forma mais disfarçada pela hipocrisia o que talvez seja mais perigoso pois esta, fazendo jus à sua definição, manifesta-se sem aviso prévio.

Quanto à grande obra cantada de Camões, quem a lê não consegue deixar de se sentir em constante movimento , viajando numa caravela de sonhos entre tudo o que os olhos registam pela primeira vez e o que a imaginação consegue acrescentar, entre um mundo velho e um mundo novo, entre as forças da natureza e a força das figuras míticas. E esta obra tem um efeito adicional sobre a minha pessoa; é que não sendo eu propriamente um patriota, não consigo ser indiferente a esse sentimento quando leio as suas estrofes cantadas. Não consigo olhar para Portugal e para os portugueses como os melhores ou os 'maiores da freguesia' (afinal de contas isso denotaria um certo complexo de inferioridade), apenas avalio as suas características como tento fazer todas as avaliações no quotidiano, o mais imparcial e justo que consigo ser. Mas, entre as muitas qualidades e defeitos, lamento que não se consiga aproveitar da melhor forma a nossa histórica e positiva abertura ao mundo exterior para nos enriquecermos (i)materialmente, para estabelecermos verdadeiras pontes com o que de positivo as outras culturas nos podem trazer. E digo 'positiva' porque acredito nos benefícios da 'aldeia global' que os próprios portugueses dinamizaram há alguns séculos atrás e, por via disso e não só, não nos podemos demitir. Sim, a globalização pode trazer grandes benefícios para todos se assim for a vontade de quem tem o poder da força mas também a força do saber.

Ultimamente até há quem venha com a conversa de Portugal e Espanha se juntarem num só país. Mas será que é mesmo necessário? Haverá ainda quem pense que os nuestros hermanos não nos tenham invadido já há alguns anos?, de forma pacífica e mais ou menos transparente como convém, que não estejam a aproveitar toda a carne que o nosso país tem a envolver o seu esqueleto? Eu cá desconfio de que o próprio tutano não escapa(rá) e, a haver culpas nesta situação, de certeza que não se poderão imputar aos espanhóis. Seria até injusto rotulá-los de oportunistas, talvez melhor lhes fique a etiqueta de 'atentos à oportunidade'.


Entretanto, acho que já sei o que me pode tornar um verdadeiro patriota: ou vou viver para o estrangeiro ou leio mais vezes "Os Lusíadas"! Mas será que o quero mesmo ser?


As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(...)


Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nela
Da antiga tão amada sua Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela,
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que é a Latina.

(Luís Vaz de Camões in Os Lusíadas)

Sem comentários: