quarta-feira, 6 de maio de 2009

Perdido na serenidade da noite

Que boa sensação esta de caminhar pela avenida às 10 da noite com um ar envolvendo-me o rosto… um ar leve, quente, sereno, de quando em vez arrefecido por uma brisa que parece soltar-se de um leque gigante que a lua no seu estado barrigudo vai agitando. As luzes quietas sobre a minha cabeça, as luzes em movimento de carros que circulam a um ritmo bem mais calmo, de uma cadência ritmada pelas palpitações de quem já não corre para chegar ao trabalho ou no sentido inverso. Sigo a minha própria sombra e as luzes e ruídos da rua acabam por ser o bálsamo para relaxar de um dia que me deixou completamente esgotado. Mas também a um ritmo constante ouvem-se os voos rasantes de pássaros gigantes de asas bem abertas e garras afiadas prontas a agarrar-se ao chão do grande terraço, não o suficiente para algumas pessoas e então venha do lado de lá um ainda maior que megalomanias como esta só estão ao alcance de mentalidades pequenas de um pequeno país. Só assim se justifica que estejam sempre a aparecer e a vangloriar-se as maiores coisas da Península, da Europa e até do Mundo. Mas a minha ideia é mesmo voltar ao meu momento de descontracção imperturbável embora um momento como este em que se inspira o ar extenuado mas aliviado da noite só é possível se vivermos numa grande cidade! O ar do campo não se cansa, por isso também não conhece a sensação de alívio.
Apanho o comboio que me há-de levar para fora da mesma, para o outro lado do seu fiel companheiro que a refresca todas as manhãs… sinto a elevar-se o meu lado mais urbano, este meu lado que deseja ardentemente construir a vida dentro de uma cidade, que faz adormecer o meu eu com modo de vida idealizado em convívio com a natureza. Acho que estou mesmo a precisar de ler “A Cidade e as Serras” do Eça para ver se esclareço as dúvidas, talvez queira mesmo o melhor destes dois mundos, o de cimento firme e hirto e o de terra em nuvens de pó. Mas estou curioso e ansioso por ter tempo para desbravar esta obra, tenho-a a olhar para mim e a suspirar para sentir-se segura nas minhas mãos, o dedo indicador a postos para virar a página, os olhos gulosos bebendo-lhe o néctar… os mesmos olhos que já vêem ao fundo as luzes da 25 de Abril, que não se cansam de a contemplar, à noite torna-se um pêndulo parado sobre as margens, uma ponte que rivaliza em estilo com a fantástica e arrebatadora D. Luís e surge aqui mais um duelo norte-sul mas um duelo bem saudável, mostrando o melhor de dois mundos.
A acompanhar-me na travessia passa uma música de sonoridade triste mas nem por isso deixa de fazer parte da minha banda sonora, “November Rain” dos Guns n’Roses que contrasta positivamente com a explosivamente enérgica “Sweet Child O’Mine” (a minha preferida neste capítulo da energia) embora ultimamente tenha sido despertado para “Patience” que começa com o vocalista ainda menino a assobiar e que eu nunca aprendi pois quando era miúdo concentrei-me de forma excessiva na missão de como apertar os atacadores e deixei de parte o assobio e também a arte de bem-fazer balões com pastilha elástica. Mas paciência, até podemos querer ter o mundo na palma da mão mas mesmo que o conseguíssemos não podíamos fazê-lo parar e logo a seguir haveria de se soltar para a liberdade e, se nos ofereceram o privilégio de aqui ter lugar então é para desfrutar o que tem para nos dar mas não para o querer de assalto tomar.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Diferente na forma, semelhante no proveito!

Um destes dias perguntaram-me como serão os típicos fins-de-semana passados na terrinha, no meu caso Santa Maria da Feira, a mais de 300 km do local de trabalho. Isso acabou por constituir um desafio para a forma como eu próprio os vejo e qual das perspectivas que os caracteriza é que escolho para enaltecer, se a diferença da forma ou se a semelhança do proveito. Faço então aqui a experiência laboratorial da narração de um deles, por exemplo o último.

Com início em solo sulista, começo por apanhar o comboio que me faz passar a ponte que por sua vez me atira em pensamento para São Francisco, Califórnia, com falha geográfica incluída (será por essa mórbida semelhança que decidiram construir ponte tão similar?). Hoje saio do comboio em Campolide para dar asas a um dos meus 'hobbies', a fotografia, e lá vou eu captar ângulos dos arcos em ogiva de uma das obras mais espectacularmente arrojadas ou arrojadamente espectaculares alguma vez construídas em Portugal, o Aqueduto das Águas Livres. Entretanto há que seguir para Santa Apolónia onde registo o boletim da sorte, com a qual não faço parelha particularmente feliz, e compro a minha revista de viagens preferida, ao longe a capa faz-me lembrar uma cidade, traz de oferta um filme que parece por sua vez trazer na capa o meu actor favorito, Johnny Depp. A cidade é mesmo Nova Iorque, a película é mesmo dele, não posso satisfazer a curiosidade de o ver já em acção mas aproveito a viagem sobre carris para descolar e aterrar sobre uma floresta de pedra, vista a partir do Empire State Building, percorrer as frenéticas avenidas de Manhattan, pessoas com o café da manhã numa mão e a outra bem levantada a fazer operação stop aos seus maiores concorrentes em número e em pressa de chegar a todo o lado e a lado nenhum – os inconfundíveis táxis amarelos. Mas falar em café da manhã é relativo pois, na cidade que nunca dorme, o café da manhã até pode ser tomado com o brilho dos néons publicitários de Times Square ou dos milhares de luzes oriundas das janelas dos seres mais marcantes da cidade – os arranha-céus. Passaram 3 horas e 7 minutos, regresso da viagem imaginária como um relâmpago e acordo em plena estação de Espinho.

É cedo? É tarde? Confesso que não faço a mínima ideia pois ainda não abri os olhos (chego à conclusão que abrir os olhos não é a primeira coisa que se faz ao acordar) mas penso que seja Sábado. Dia de começar por usufruir de um dos grandes prazeres da vida – dormir. Após o almoço procuro a minha octogenária favorita, a minha avó, para lhe dar os parabéns por mais uma primavera que se avizinha e que ela já comemorou, como é habitual, em antecipação e ofereço-lhe chocolates, algo a que ela não resiste tal como uma boa dentada num queijo e tal como a sua filha mais velha que, por sua vez, transmitiu estes gulosos vícios a este filho, neto da primeira. A maluqueira dos iogurtes, essa foi obra da minha pré-infância, e que até Hoje não esmureceu. Um passeio ligeiramente para interior até à barragem leva-me pela estrada ribeirinha de olhos sempre postos no Douro em direcção ao Porto. Visito pela primeira vez o Lugar do Desenho (Fundação do pintor Júlio Resende) e sigo para Gondomar para chegar pontualmente à exposição Afectividades, de uma amiga artista (vale a pena uma visita ao blog da Alexandra onde se pode ver uma amostra do excelente trabalho). Ao jantar recebo um convite para a festa do próximo enlace (desta feita de uma dupla de Santo Tirso) e a noite não acaba sem se beber um copo bem ritmado pelos sons da noite. A minha opção é conhecer o Café del Mar de Gaia, e chego à conclusão que é o menos interessante dos que conheço, falando do 'design' pois a música está boa.

O Domingo tem o velho problema de ser véspera de 2ª feira, passa a correr e traz uma ténue depressão pré-trabalho, mas com o sol a abrir o horizonte nada melhor que o lanche à beira-mar, desta feita em Leça da Palmeira e ficar ali a ver a curva descendente da estrela maior, deixar o crepúsculo semicerrar as pálpebras, a intermitência das luzes no céu que já escureceu e a mentalização para mais uma semana de trabalho, no meu caso ainda com um "pegar de novo o trem".

Está passado mais um fim-de-semana, diferente na forma mas semelhante no proveito. Pelo meio fui debitando estas palavras para o papel sem esquecer de deixar aqui uma homenagem à mulher pelo seu Dia Internacional. Seja pela teoria de evolução bíblica, darwiniana, ou outra qualquer, é a mulher o ser responsável pela existência de todos os homens, no meu caso responsável pela existência, permanência e vontade de continuar. Acrescento uma palavra particularmente especial para as que ocupam cada degrau da minha pirâmide interior desde a base até ao vértice. E acrescento uma palavra de alento para todas as que estão a passar por momentos difíceis, em especial às que vivem encurraladas por vergonhosas opressões. A todas dedico esta música de John Lennon de título evidente e mensagem adequada.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Coffee break

Inspirado pelo blog da Mª José, venho aqui fazer uma espécie de ode prosaica a um momento que faz parte do quotidiano da maioria das pessoas, em especial do povo lusitano. Talvez por ser um momento banalizado acabam por não vislumbrar tudo o que o rodeia mas uma observação mais atenta dará para sentir que aquele momento desperta e agita bem os nossos 5 sentidos. Chávena na mão, o aroma em vapor que se liberta e inebria a atmosfera, cresce água na boca de todo um corpo em ansiedade para que o líquido esteja na temperatura certa e logo a seguir entrar em êxtase interior saciado pelo sabor cremoso… é incrível como um simples café tem um poder tão forte para despertar todo este plaisir. Já percebi que insinuei apenas 3 dos sentidos mas o resto vem logo a seguir quando se volta a pousar a chávena e os sons das conversas das mesas vizinhas, a música ambiente, o ritual das etapas que o barman impõe à máquina para mais uma tiragem, o motor dos carros que passam na rua… todos estes sons vão subindo de forma crescente e límpida aos ouvidos assim como mais transparentes são as imagens que os olhos captam, seja a decoração das paredes de um café urbano, sejam as pessoas em movimento na praça central da vila, seja o movimento das cartas ou das pedras de dominó a sair das mãos ásperas marcadas por uma vida de trabalho de velhos de uma aldeia pacata, seja o infinito azul que se estende desde a esplanada junto ao mar ou o verde e castanho que se eleva serra acima.

Pergunta quem não é adepto do café o porquê de estar a ler estas palavras. Resposta simples, o prazer é o mesmo levando à boca um chocolate quente ou capuccino, um chá quente ou frio, um copo de vinho ou cerveja, uma simples água com ou sem gás, um refrigerante ou sumo natural, um batido ou um jarro de sangria,… e todo este prazer sozinho ou partilhado com um cigarro entre os dedos, um jornal aberto, capítulo de um livro ou com alguém batendo um papo…

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Saudades do sol e não só...

Olho para o fundo do ambiente de trabalho do meu computador e vejo-me a esbracejar para a objectiva da máquina fotográfica, sentado na água irresistível para a pele que nem dá sinal de si tal a absorção em que se encontra, não tanto para os olhos que reclamam os elevados níveis de sal mas que as papilas gustativas já provaram indiferentes ao que pode acontecer ao nível de tensão. Encontro-me a uns bons 50 metros da areia enxuta, com salpicos cor-de-rosa que o mesmo sal lhe confere. Os muitos tons de azul fazem a sua escala, apenas interrompida por pequenas ilhas que cercam a praia e por sua vez cercadas pelos iates que vão estacionando…
Estou na Playa de Ses Illetes onde não é possível resistir à tentação de apregoar a perfeição do Planeta Azul. Já lá vão alguns meses, agora tenho o frio a espreitar pela janela e a provocar-me um arrepio de saudade pelos dias lá passados e uma súplica pelo próximo sol quente, algures escondido atrás das nuvens que passam a correr sobre o céu de quem circula na rua; é a altura ideal para escrever algo sobre duas ilhas Baleares fantásticas: Ibiza y Formentera.
À saída do avião, a brisa quente e seca que sopra, depois do arrebatamento das cores do mar vistas do ar, é a prova final de que estamos algures perdidos no Mediterrâneo. Com a chegada ao quarto do hotel, uma sensação desperta para uma corrida até à varanda onde a batida da música que vem do outro lado da rua invade qualquer um e passa a controlar todos os movimentos - é o som único das Ibiza Summer Sessions. Avista-se malta jovem mexendo-se ao ritmo certo, de forma bem ousada vão fazendo o jogo da sedução e facilmente se verifica que a ilha serve intentos tão díspares como passar uns dias cheios de programas bem românticos ou conhecer pessoas novas e dar largas à imaginação, começando por beber um copo de cada vez nos muitos bares com propostas bem diversificadas e acabando as noites encharcados pela espuma que algumas discotecas oferecem. Ibiza não é um sítio, é um estado de espírito. As suas praias também contribuem para esse sentimento, mas nesse domínio a vizinha Formentera constitui-se como uma pequena mas valiosíssima pérola!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Como é que eu poderia esquecer o Porto...

Este texto é especialmente dedicado ao meu amigo Milton que insinuou um dia destes a minha traição à cidade do Porto quando me ouviu dizer algo assim parecido “Lisboa é única no país porque tem sempre algo de novo para surpreender”. Vou mostrar-te que não é verdade e que continuo apaixonado pela muy nobre e invicta.
A mesma tem muitas portas de entrada, as mais encantadoras são oferecidas a quem vem de sul pelas várias pontes que cruzam a grande altura o Douro que mantém o seu bailado desconcertante por entre encostas curvas. A minha sugestão só podia ser a do Carlos Tê que escreve assim para a voz de Rui Veloso “Quem vem e atravessa o rio, junto à serra do Pilar, vê um velho casario, que se estende até ao mar”. Pode-se fazê-lo de metro mas o melhor mesmo é a pé para dar tempo suficiente às cores da Ribeira invadirem os cinco sentidos, ali imóveis no meio do tabuleiro superior da D. Luís I, qualquer um tende a suster a respiração para se sentir transportado para aquele quadro pintado por gente simples, com pronúncia do Norte, dialogando sonoramente entre peças de roupa agitadas ao vento, suspensas em arames presos a varandas de casas encavalitadas, umas quase beijando o rio que de quando em vez lhes deixa a sua marca, outras galgando a colina até à Sé. Ao observador mais atento impressiona a quantidade de igrejas que a custo irrompem com as suas torres por entre aqueles cogumelos pintados em aguarelas de mil cores.
E se a ideia do visitante é percorrer a monumentalidade, o Porto não desilude, podendo circular pelo pátio exterior da Sé, em torno do pelourinho, invadir o espaço interior, descer à estação de comboios de São Bento e deixar cair os queixos perante as gravuras de azulejo que revestem as suas paredes, subir a Avenida dos Aliados sempre com os olhos postos nas fachadas e cabeços dos edifícios que a ladeiam, flectir à direita e seguir com os ouvidos o rasto das apregoadoras do Bolhão, ou se preferir outras compras, percorrer a Santa Catarina mesmo que só para sentir a atmosfera dos passos cruzados da multidão, com o valor acrescentado que esta época proporciona com o cheiro da castanha assada e eis que se chega à praça da Batalha, rodeada por salas históricas de cinema e teatro, não esquecendo o Coliseu que do alto da sua rua observa o Rivoli com o qual a partilha.
Mas uma jornada destas já com algum peso nos músculos das pernas não deixa o viajante seguir em frente quando passa pelo Majestic sem ceder à tentação do convite das suas cadeiras para o cimbalino. Fazendo o percurso de uma parábola com concavidade positivamente voltada para o céu, chega-se à Torre dos Clérigos e o esforço das centenas de degraus é refrescantemente compensado não por uma laranjada servida na varanda mas por tudo o que está sob os pés nos 360º que um movimento de lenta rotação permite alcançar. Na descida é de lamentar a ausência do Jardim Romântico que outrora se estendia desde o sopé da torre e que um dia se tornou presa fácil da ridiculamente poderosa e cruel mão humana. Nas imediações resiste um parque com árvores acompanhadas de umas peças de arte em ferro curiosas e, num dos seus limites, mais uma igreja de azulejo vestida, como é bem característico em muitas que se distribuem pelo burgo. Mas quem está naquele local não pode afastar-se sem uma incursão na livraria Lello & Irmão onde os livros trazem um sabor diferente mas isso já é algo que aqui não se pode descrever, o melhor é entrar… e porque não um salto ao Piolho onde enquanto se degusta um petisco se pode encostar a orelha à parede para tentar escutar murmúrios de planos e conspirações de outros tempos ou apenas para brindar com um fino ao espírito académico.
O tempo passa e o melhor é descer por ruelas enviesadas que contornam edifícios que se esmagam mutuamente, desembocando no largo com honras feitas pelo Palácio da Bolsa com o seu magnífico salão árabe embora triste e eternamente associado ao facto de ter sido construído de forma perversa que quase estrangulou a existência da Igreja de São Francisco na altura em que os seus moradores, da ordem homónima, receberam o veredicto de saída, restando à mesma uma curta vista para o rio, e por isso mesmo, passando muitas vezes despercebida. Mas, fazendo jus ao título de maravilha candidata, é de visita obrigatória. Quem desce estas ruas pode escolher a noite de São João, desde que esteja preparado para o amasso e para as inevitáveis marteladas e snifadelas de alho-porro.
Voltando lá acima porque não vaguear nos jardins do Palácio de Cristal? E em pouco mais de quase nada chega-se à mais famosa rotunda da cidade em cujo centro se avista no alto um leão com as garras afiadas sobre as penas da águia, não retirando aqui quaisquer ilações pois estou numa posição neutral em relação a esta disputa. Numa das saídas destaca-se a Casa da Música, edifício polémico pelos atrasos no timing de construção e (a)normais derrapagens financeiras infelizmente comum a muitas obras públicas mas de inegável singularidade arquitectónica, que se junta ao (já que se meteu a colherada no futebol) Estádio do Dragão no que concerne a beleza dos novos padrões de construção. Tenho esta opinião totalmente isenta pois se cá no íntimo não gostasse da obra, era o primeiro a maldizer tal como o faço sempre quando as coisas não andam bem pela naçon azul. Polémicas à parte fazemos bem em descer a Avenida, e como é a maior que eu conheço no país, o melhor é parar a meio para lamber o beiço ao devorar a francesinha do Cufra. Bem sei que os gostos não se discutem mas esta faz parte do top de qualquer apreciador. Não esqueci as tripas mas pode-se deixá-las para o fim da volta ao regressar à Ribeira.
Retomando a mesma avenida, vale bem a pena fazer um desvio à esquerda para uma entrada na Casa e um mergulho nos Jardins de Serralves. De repente sente-se que a presença momentânea numa cidade talvez não esteja a passar de um sonho, até ser interrompido pela passagem a alguns pés de distância de um avião a aproximar-se do seu poiso. Antes do Castelo do Queijo, agredido pelas ondas do Atlântico que as inventa para chamar a atenção, impõe-se um passeio no Parque da Cidade para abrir os pulmões e retemperar energias.
E dando a tão pedida atenção a esse mar egocêntrico ao circular pela marginal da Foz, o passeio continua bem agradável e quando se dá conta já não é mar mas o seu enlace com o rio. A bicicleta é o meio ideal para seguir caminho mas uma viagem de eléctrico dá uma expressão pitoresca ao que falta palmilhar. Surge então a Ribeira com os rabelos e outros tipos de barcos sem passado atracados no cais a oferecerem o cruzeiro das pontes, uma forma diferente de se ver a cidade.
Outros sítios emblemáticos ficam por referir, entre palácios, museus, ruas, jardins, lagos, pátios habitados por pombos, estátuas de cavaleiros, de poetas, carteiros ou ardinas… mas neste momento o melhor mesmo é atravessar para Gaia onde as caves esperam com um copo de vinho do Porto para brindar e, já se sabe, quanto mais velho melhor…
Agora Milton, vou pensar se te perdoo, não a acusação com que eu começo este texto, mas o facto de teres depreciado tanto o papel da minha diva Meryl Streep no “Mamma Mia!”, onde até deu um novo encanto à minha música preferida dos Abba “The Winner Takes It All” quando a interpretou com voz rouca e nostálgica, emoldurada por indescritíveis paisagens gregas, a mesma nostalgia que eu tenho ao escrever sobre o Porto a partir das vistas do meu quarto sobre Lisboa. Talvez o que te tenha ferido seja o facto de os Abba serem aquela banda que deixou uma marca, uma herança, talvez a despedir-se do seu público no momento em que nasceste mas logo ali te ficou no ouvido e cresceste numa adoração também crescente às suas músicas e, sendo para ti obras-primas, ninguém deve ousar proferi-las em vão. No meio de toda esta confusão sobra-me o discernimento para te agradecer o contágio que me passaste ao longo daqueles anos de convivência quase diária de Aveiro para crescer em mim uma admiração por estes 4 suecos que passaram que nem um tornado por este mundo, deixando uma indelével e irracional marca, desaparecendo de seguida quiçá para passar o tempo em jogatinas de sueca a 4.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Mensagem que não sai da gaveta de quem a pensa

Há algumas semanas atrás, por um pequeno acaso, vi-me envolvido no 1º Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora e ouvi o organizador do evento, professor e poeta Delmar Gonçalves, lamentar a falta de correspondência entre os escritores moçambicanos nomeadamente os que se afastaram geograficamente da mãe pátria, contrastando com o que se passava “antigamente” em que, até de forma clandestina, se trocavam ideias à distância.
Penso que essa preocupação ilustra bem a maior lacuna da sociedade actual – a indiferença. É impressionante a forma como o crescente aparecimento de vias de comunicação simples e rápidas traduz-se de forma inversamente proporcional nos contactos humanos. A atmosfera dos nossos dias apresenta-se estranhamente cinzenta… vazia… ausente… inerte… engolida pelo efervescer do dito progresso que o futuro dirá se se tratou ou não de mero desenvolvimento de fachada e não gelou por completo o interior de cada um na sua relação com o mundo, com os outros e, no limite, consigo próprio. Até dá a ideia que a ausência de esforço em fazermos chegar o nosso pensamento numa fracção de segundo a alguém que se encontre nos nossos antípodas banalizou e, por conseguinte, desvalorizou o relacionamento humano. Sente-se que havia mais vontade em comunicar quando se tratava de um cabo de tormentas fazer chegar a mensagem ao destinatário e não é necessário recuar ao tempo do pombo-correio ou dos sinais de fumo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

La Movida

Umas semanas antes do Natal abordei aqui a situação do comércio tradicional que anda pelas ruas, toda a gente sabe, mas infelizmente temos que acrescentar a palavra 'amargura' para a frase ficar completa nos tempos que correm. Ganha assim sentido fazer aqui referência ao local da minha passagem para o novo ano, a capital da nossa vizinha España, as badaladas foram contadas na Puerta del Sol, uma verdadeira Piccadilly Circus à espanhola.
Madrid, à semelhança das outras cidades conterrâneas, convida a sua gente para as calles - tudo o que mexe está na rua. Há comércio por todo o lado, o movimento é constante, e se a situação é esta em tempo frio e de mini-férias, imagine-se no quotidiano.
Madrid é, ao contrário de outras capitais de peso, discretamente turística – estão longe de proliferar as típicas ofertas que se vêem de olhos fechados em tantos outros sítios e que, reconheça-se, são eficientemente propagandeados e explorados. Os turistas misturam-se no meio da multidão, tornando-se apenas mais uma peça do puzzle cheio de estilo que constitui a cidade. Parece que o mais importante mesmo é dar aos residentes e visitantes lojas de roupa de todas as marcas, cafés distintos, restaurantes para todos os gostos - do 8 ao 80 no preço – quem quiser o 8 pode jantar no Museo del Jamón, escolhendo por exemplo o do Paseo del Prado diante do homónimo Museo del Prado de Velasquez e não só; quem quiser o 80 ainda é mais fácil encontrar.
Madrid dá um verdadeiro sentido à popular expressão “Porta-te mal mas com nível” pois este é algo que se respira avenida acima, avenida abaixo, rua à esquerda, rua à direita. E isso foi o que fiz durante três dias pelo que, no último, veio mesmo a calhar o banho de imersão envolto em espuma proporcionado pelas excelentes condições do hotel (não se pense que foi num de 80, estava bem mais próximo do 8, mas há já algum tempo que ultrapassei o pequeno trauma que me impunham em miúdo de que nuestros hermanos não recebiam bem, que davam más condições higiénicas e alimentares aos visitantes – se assim fosse como é que conseguiam estar permanentemente no top dos países mais visitados?).
Claro que dificilmente se perdoa uma visita à actual sem se visitar a outrora capital do reino, a visigótica Toletum ou a Toledo cristã, árabe e judaica, abraçada pelo Tejo que também é nosso e que ali, com tamanho terreno ainda por trilhar, já corre de forma tão enérgica. É um bilhete-postal, quem quiser fazer parte dele tem mesmo que seguir as pisadas de Dom Quixote como nos conta Cervantes.
É de destacar um pormenor inteligente para a preservação da cidade histórica e das pernas de quem entra pela porta da encosta mais acentuada, a oferta de escadas rolantes; para o automóvel muito espaço cá em baixo.

Por casualidade, assisti no hotel à transmissão da mensagem de Ano Novo do Presidente da República, a nossa que está quase a fazer um século de existência, e registei as suas palavras nomeadamente as justamente feitas aos pequenos comerciantes e agricultores. Quanto aos primeiros acho que já expressei bem a minha opinião, só é pena que o Presidente, quando ainda estava longe de Belém e as suas paragens eram mais para os lados de São Bento, tenha dado o seu contributo para a tendência das últimas décadas de afastar as pessoas das ruas e oferecerem-lhes a “comodidade” dos espaçosos, práticos, térmicos e afastados centros comerciais. Quase não há cidades, grandes, médias ou pequenas, neste cantinho que não tenham o seu. Esse engodo é o maior desprezo que lhes poderiam fazer, a factura virá mais tarde mas, para não variar, já não estarão presentes os responsáveis pela encomenda. Parece a história da desertificação do interior do país, também abordada no discurso à nação, é muito interessante reflectir sobre isso mas basta olhar às recentes medidas governamentais e… sem palavras!
Quanto aos segundos, os agricultores, apenas tenho a lembrar algo que ouvi quando era ainda um ser imberbe: “a agricultura deve ser a base da economia de qualquer país”. Numa hipotética e completamente indesejável situação de crise extrema, o que restará à Humanidade para sobreviver? O essencial, a comida! E que virá de onde, caso a cadeia global de engrenagens que nos fazem ostentar a vida que levamos actualmente emperre? Da terra, pois claro!
Ora, a paisagem que uma viagem de carro até Madrid proporciona também coloca a nu diferenças significativas na matéria entre nós por cá e eles por lá. Até podem dizer que a economia espanhola está também em abrandamento, que caminha igualmente para a recessão, mas a verdade é que, por exemplo, o salário mínimo deles é aproximadamente 50% superior ao nosso. Se as economias pararem, essa diferença não esbaterá nem um cêntimo e acrescente-se que, ganham mais e desembolsam o mesmo ou ainda menos pelo que consomem. Tudo isto não é ser apátrida, é ser realista.
Resta o optimismo, já que o novo ano ainda não saiu do adro!