quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eis que o fado regressa ao blogue

É a segunda vez que falo cá de fado. Desta feita não para enaltecer alguém de reconhecidos méritos mas para falar um pouco de uma voz que a maioria do grande público desconhece mas que eu tenho o prazer de conhecer pessoalmente quer como colega de trabalho quer como amiga, tal como comprova a dedicatória deixada pela pena da dona dessa voz na contracapa do disco que adquiri. Não é porém esta condição que inibe a isenção com que irei bradar estas despretensiosas linhas.
É a Ana Guerra com a sua “Maria das Quimeras”, um álbum que atinge na plenitude o que mais procuro numa história cantada – o vício. Posso dizer que não é amor à primeira vista mas de cada vez que o deixo rolar na aparelhagem já só espero pelo final para repetir a dose.
Quem tiver o privilégio de ouvir seus fados viajará num carrossel de emoções desde a velocidade de corridinho saltitante em “Quem brinca com fogo” onde podemos recordar sábios ditados populares até à velocidade cruzeiro com sonoridade que a minha (in)cultura musical lembra Rodrigo Leão em “Quero ser somente”. E que bem que Camões regressa após séculos no seu sono profundo com o seu “Amor é fogo que arde sem se ver”. O berço deste sentimento entoado nos seus bairros castiços também não é esquecido pois “Lisboa é sempre Lisboa”. E que tal naufragar na fatalidade de encontros e desencontros, montanha-russa de emoções que habitualmente caracteriza o fado em “Encontrei-te mas perdi-te”? Igualmente fatal é a interrogação de qual é o melhor capítulo da história. Muito difícil a escolha mas, para além dos que já referi, destaco ainda “Dizem que o fado nasceu” cuja melodia se solta agora mesmo nas paredes que me rodeiam e “Saudade vai-te embora” com uma mistura deliciosa de acordes (aqui aproveito para homenagear os responsáveis pelos sons libertados pelas cordas dos instrumentos, em especial a guitarra portuguesa).
E já que se fala em destaques não posso esquecer Vítor Reino que as palavras de agradecimento da Ana “O seu talento extasiou-me” bem ilustram e de que não duvido a olhar à amostra do que conheço do seu trabalho ao comando do grupo Flamma Voccis,
que já me deliciou o espírito algumas vezes.
Agora que chegou ao fim uma vez mais e o silêncio impera nesta casa, fiquei a pensar que se não gostasse tanto oferecia-o à pessoa que mais admiro e que por sua vez admira o fado – a minha mãe. Mas vou emprestar-lhe, antes que se risque, pois tudo o que é bom na vida só o é para mim se for partilhado. Gosto de ver a marca que as sensações que me tocam os sentidos deixam nas outras pessoas.
Em suma, se na Ana Moura destaquei a voz quente, roucamente aveludada, na Ana Guerra enalteço a voz poderosa, altiva, atingindo ambas mas com textura diferente os mesmos píncaros da guitarra e as nostálgicas vibrações das suas cordas.

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