segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Balanço e prognóstico
Caminhamos a páginas velozes para o epílogo do livro 2008, os balanços são inevitáveis, as previsões para o futuro uma tentação. Por aqui deixo uma palavra de apreço por todos quantos fazem o mundo caminhar, principalmente os que o fazem manter-se em órbita e com o equilíbrio necessário para seguir o rumo da paz e da justiça. Não posso deixar de abraçar calorosamente com as minhas palavras os mais velhos, fonte inesgotável de sapiência e sensatez que me fazem querer continuar a crescer, a preencher o espaço interior com que nasci, mais um pouco a cada diálogo, a cada olhar, a cada sorriso destes sábios anciãos. Ter a consciência do quão são desprezados e mal tratados tantas vezes não devia deixar indiferente até mesmo quem não lhes reconhece o devido valor. Na faixa etária extrema temos as crianças e para elas ficam aqui umas quantas palavras de carinho e esperança de que segurem bem esta grande bola onde vieram parar, a protejam e a façam girar como ela tanto gosta – doucement pelo meio de constelações de estrelas que cintilam como reflexos dos seus mares ainda cristalinos. E cresçam com a determinação de ajudar a estrela, símbolo de quem vive a quadra natalícia, a brilhar na vida daqueles que infelizmente tantas vezes não a encontram e entram em cada novo ano sem o optimismo que poderia ser a alavanca para tudo se tornar diferente. Mas para que isto aconteça são os adultos de Hoje que têm o papel principal nas mãos e não podem construir uma Sociedade que permite que uma criança rejeitada por um pai à nascença lhe vá parar contrariada às mãos após alguns anos só por leis cegas, por capricho ou porque sim. Esta é uma entre tantas manchas que não permitem que o Natal seja verdadeiro na sua plena acepção nem permitem que um novo ano comece com a certeza que será melhor e que todos irão remar no mesmo sentido. O futuro chama por todos mas mostra as suas exigências e só com a satisfação das mesmas nos dará a tal
certeza que queremos ver ecoada na mente. Não posso terminar sem manifestar a minha consideração pelas pessoas que têm transmitido a sua crítica a este espaço de expressão, mesmo que nem todos aceitem os meus pontos de vista e ainda bem que assim é. A pluralidade de ideias é a luz ao fundo do túnel; neste momento talvez a salvação passe por uma autêntica brainstorming. Senão temos mesmo que levar com a indesejada visita do lobo mau!
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Aquela a quem um dia chamei confidente
O meu primeiro emprego pós-licenciatura não conseguiu cativar-me para um mergulho nas entranhas mais obscuras da informática ao contrário de colegas que eu lá tinha que pareciam deleitar-se com toda aquela atmosfera. E o regozijo era tão grande que um deles, talvez em ritual de celebração, tinha como lanche preferido uma sandes dupla de chocolate, que não era mais que um pão aberto com outro pão dentro e um chocolate bounty no interior. Quando passava por mim, o cumprimento da praxe “Tudo?!”, e eu lá respondia mudando o ponto (de interrogação ou exclamação, nunca percebi qual dos dois) para um simples ponto final ou até umas reticências, consoante o estado de espírito… A ideia até deveria ser eu sentir-me lisonjeado pela reacção das pessoas quando sabiam onde eu trabalhava mas a verdade é que, ao passar na entrada e acenar ao porteiro de serviço a minha consciência apercebia-se que era o último momento de alegria do dia até à hora de saída, em que o aceno levava uma carga extra de alívio a acrescentar à felicidade.
Provavelmente estou a exagerar mas quando um simples aceno ao porteiro (não querendo de forma alguma desprestigiar o cargo) constitui uma marca na memória de um passado já com uma certa distância, alguma coisa há-de significar. Ainda se fosse uma porteira com rasgado sorriso mas nem era o caso. Distância essa multiplicada por tudo de bom que já tive o privilégio de fazer depois dessa etapa. E como é óptima a terapia oferecida pelas coisas boas que nos acontecem quando temos algo pendurado a que queremos dar uma tacada para qualquer buraco negro…
Mas a recordação mais marcante desse tempo será sempre aquela amiga, a minha confidente, quase um anjo da guarda. Não quero desconsiderar as pessoas que lá conheci e até contactei com gente porreira mas com essa amiga desenvolvi uma relação espiritual intensa, diria até intensamente libidinosa! E tudo por causa daquela sala sinistra que me atribuíram como posto de trabalho durante meses a fio. Era eu e alguns computadores e servidores à minha volta; por vezes irrompia gente por aquela porta envidraçada, falando, barafustando, uns furiosos com as máquinas, alguns com bolas anti-stress, outros com um cigarro na boca e mais um na mão, pronto para ser o próximo prego?, pior que isso, ali entre os dedos esquecido, o que dá para ter uma ideia das dependências, dos vícios… mais da máquina que da própria nicotina. A sala podia considerar-se também um museu – à minha frente uma parede de vidro permitia vislumbrar as antigas máquinas com que se trabalhava na antiga companhia nacional de telefones em tempos idos, saudosos para uns, desconhecidos para outros. Após a breve satisfação da curiosidade, decido espreitar por uma das janelas laterais que oferecia uma magnífica vista… para o cemitério. Mas prestando atenção a outra dava de caras com ela, e desvendo aqui a misteriosa e fiel amiga que entrou na minha vida naquele tempo, bem segura e emproada, lá estava ela – a Árvore.
Com o tempo tornou-se a minha confidente, e foi escolhida por não encontrar perfil em ninguém para o ser relativamente ao que me ia verdadeiramente na alma, nem mesmo a pessoa com quem partilhava mais segredos na altura. O que eu tinha para dizer era de grau que me ultrapassava a mim próprio e, por conseguinte, a razão de qualquer ser da minha espécie. Por isso aquela árvore era a mais indicada; para ela, que aguentava ali estoicamente de pé há tanto tempo, o que eu tinha para dizer não lhe faria dobrar de espanto um só ramo. Enquanto ouvia o que me ia na alma, deixava-me assistir ao seu ciclo periódico de vida, desde o nascimento das primeiras folhas que a iam pintando com uma manta verde que daria abrigo daí a quase nada a tantos e barulhentos pássaros que vinham dificultar a conversa, talvez ciumentos daquela nossa cumplicidade. Os dias passavam, contavam-se as semanas, arrastavam-se penosamente os meses, e eis que chegava a estação em que, de forma ousada, ela começava a despir-se até se mostrar completamente fazendo-me ruborizar a mente (vá lá que a minha timidez, vergonha e afins não se mostram na face, é um trunfo que eu fui aprendendo a usar desde miúdo…).
Um dia mudaram-me de sítio e aí sucumbi; concluí que a árvore era o elo que me prendia àquele lugar estranho; fui embora e passei a dedicar-me ao que faço hoje, ficando por saber até quando. Acenei pela última vez ao porteiro, sem nostalgia mas lamentando não a poder trazer comigo. Agora que a lembrança trouxe a saudade, ganha força a ideia de um dia destes lhe fazer uma visita e talvez ganhe também coragem para a abordar com um assunto melindroso a fazer lembrar as dúvidas na cabeça de Manuna (protagonista do livro “as micaias de manuna” do escritor Augusto Carlos - um bom livro para quem quer compreender os porquês com que alguns miúdos adoram brindar os pais e quem mais lhes apareça à frente): porque te despes tu quando nós mais roupa vestimos?
Lamentavelmente não a posso cá apresentar mas fotografei uma que ilustra bem alguns traços que eu vejo na existência de todas as árvores que conheço - solidão e resistência.
Provavelmente estou a exagerar mas quando um simples aceno ao porteiro (não querendo de forma alguma desprestigiar o cargo) constitui uma marca na memória de um passado já com uma certa distância, alguma coisa há-de significar. Ainda se fosse uma porteira com rasgado sorriso mas nem era o caso. Distância essa multiplicada por tudo de bom que já tive o privilégio de fazer depois dessa etapa. E como é óptima a terapia oferecida pelas coisas boas que nos acontecem quando temos algo pendurado a que queremos dar uma tacada para qualquer buraco negro…
Mas a recordação mais marcante desse tempo será sempre aquela amiga, a minha confidente, quase um anjo da guarda. Não quero desconsiderar as pessoas que lá conheci e até contactei com gente porreira mas com essa amiga desenvolvi uma relação espiritual intensa, diria até intensamente libidinosa! E tudo por causa daquela sala sinistra que me atribuíram como posto de trabalho durante meses a fio. Era eu e alguns computadores e servidores à minha volta; por vezes irrompia gente por aquela porta envidraçada, falando, barafustando, uns furiosos com as máquinas, alguns com bolas anti-stress, outros com um cigarro na boca e mais um na mão, pronto para ser o próximo prego?, pior que isso, ali entre os dedos esquecido, o que dá para ter uma ideia das dependências, dos vícios… mais da máquina que da própria nicotina. A sala podia considerar-se também um museu – à minha frente uma parede de vidro permitia vislumbrar as antigas máquinas com que se trabalhava na antiga companhia nacional de telefones em tempos idos, saudosos para uns, desconhecidos para outros. Após a breve satisfação da curiosidade, decido espreitar por uma das janelas laterais que oferecia uma magnífica vista… para o cemitério. Mas prestando atenção a outra dava de caras com ela, e desvendo aqui a misteriosa e fiel amiga que entrou na minha vida naquele tempo, bem segura e emproada, lá estava ela – a Árvore.
Com o tempo tornou-se a minha confidente, e foi escolhida por não encontrar perfil em ninguém para o ser relativamente ao que me ia verdadeiramente na alma, nem mesmo a pessoa com quem partilhava mais segredos na altura. O que eu tinha para dizer era de grau que me ultrapassava a mim próprio e, por conseguinte, a razão de qualquer ser da minha espécie. Por isso aquela árvore era a mais indicada; para ela, que aguentava ali estoicamente de pé há tanto tempo, o que eu tinha para dizer não lhe faria dobrar de espanto um só ramo. Enquanto ouvia o que me ia na alma, deixava-me assistir ao seu ciclo periódico de vida, desde o nascimento das primeiras folhas que a iam pintando com uma manta verde que daria abrigo daí a quase nada a tantos e barulhentos pássaros que vinham dificultar a conversa, talvez ciumentos daquela nossa cumplicidade. Os dias passavam, contavam-se as semanas, arrastavam-se penosamente os meses, e eis que chegava a estação em que, de forma ousada, ela começava a despir-se até se mostrar completamente fazendo-me ruborizar a mente (vá lá que a minha timidez, vergonha e afins não se mostram na face, é um trunfo que eu fui aprendendo a usar desde miúdo…).
Um dia mudaram-me de sítio e aí sucumbi; concluí que a árvore era o elo que me prendia àquele lugar estranho; fui embora e passei a dedicar-me ao que faço hoje, ficando por saber até quando. Acenei pela última vez ao porteiro, sem nostalgia mas lamentando não a poder trazer comigo. Agora que a lembrança trouxe a saudade, ganha força a ideia de um dia destes lhe fazer uma visita e talvez ganhe também coragem para a abordar com um assunto melindroso a fazer lembrar as dúvidas na cabeça de Manuna (protagonista do livro “as micaias de manuna” do escritor Augusto Carlos - um bom livro para quem quer compreender os porquês com que alguns miúdos adoram brindar os pais e quem mais lhes apareça à frente): porque te despes tu quando nós mais roupa vestimos?
Lamentavelmente não a posso cá apresentar mas fotografei uma que ilustra bem alguns traços que eu vejo na existência de todas as árvores que conheço - solidão e resistência.
Se eu fosse Pablo Neruda ou pelo menos o seu carteiro, escrevia-lhe uma ode; sendo quem sou e a mais não podendo aspirar, limito-me a eternizá-la nestas simplórias palavras...
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Feliz Natal
Deixo aqui os meus votos de feliz Natal neste momento, consciente de que na sociedade dos nossos dias até já venho tarde. Dois meses antes do seu dia entra-nos – acredito que sem vontade própria – por portas e janelas entreabertas fazendo a maioria sucumbir à parte negativa do espírito natalício, a consumista. É nesta época que as pessoas costumam igualmente sensibilizar-se para actos de caridade. Não deixo de louvar mas gostava de ver essa boa vontade distribuída por todo o ano, incluindo-me obviamente nesse extenso rol. Quem precisa de ajuda, carinho e atenção vive, tal como os outros, os mesmos 365,25 dias todos os anos. Nos últimos tempos, mesmo não sendo espectador minimamente assíduo de programas de informação, a palavra que mais ouço é a inevitável “crise”. Pois lembrei-me de algo que pode dar um ténue contributo para fazer as nuvens partirem e o céu azul voltar a brilhar no rosto dos mais afectados. O meu gesto será abandonar a minha costela comodista, preguiçosa, de comprar as prendas nas grandes superfícies e fazê-lo no comércio tradicional, de rua, com sol, chuva, vento, tempo quente ou frio, não interessa. Uma grande superfície aguenta-se bem sem uns quantos consumidores mas cada pequeno estabelecimento que encerra portas é o fim de postos de trabalho mas também o fim de um sonho. Ora se quando o homem sonha, o mundo e avança, com certeza que, não um mas muitos pequenos pulos farão o mundo girar na direcção certa ao sabor de sonhos ressuscitados. Apenas não sei se consigo fazer uma coisa diferente dos outros anos - comprar as prendas mais cedo. É complicado fazer diferente pois se o Carnaval são 3 dias, para mim o Natal são os 3 dias anteriores para a compra dos presentes e preparativos, o próprio e os 3 seguintes para o convívio e (re)fortalecimento de laços (e as gulosices pois claro). E como é
bom partilhar esses momentos com os meus irmãos após meses de afastamento, que a vida assim obriga. Feitas as contas, o meu Natal são 7 dias, o número perfeito!
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Eis que o fado regressa ao blogue
É a segunda vez que falo cá de fado. Desta feita não para enaltecer alguém de reconhecidos méritos mas para falar um pouco de uma voz que a maioria do grande público desconhece mas que eu tenho o prazer de conhecer pessoalmente quer como colega de trabalho quer como amiga, tal como comprova a dedicatória deixada pela pena da dona dessa voz na contracapa do disco que adquiri. Não é porém esta condição que inibe a isenção com que irei bradar estas despretensiosas linhas.
É a Ana Guerra com a sua “Maria das Quimeras”, um álbum que atinge na plenitude o que mais procuro numa história cantada – o vício. Posso dizer que não é amor à primeira vista mas de cada vez que o deixo rolar na aparelhagem já só espero pelo final para repetir a dose.
Quem tiver o privilégio de ouvir seus fados viajará num carrossel de emoções desde a velocidade de corridinho saltitante em “Quem brinca com fogo” onde podemos recordar sábios ditados populares até à velocidade cruzeiro com sonoridade que a minha (in)cultura musical lembra Rodrigo Leão em “Quero ser somente”. E que bem que Camões regressa após séculos no seu sono profundo com o seu “Amor é fogo que arde sem se ver”. O berço deste sentimento entoado nos seus bairros castiços também não é esquecido pois “Lisboa é sempre Lisboa”. E que tal naufragar na fatalidade de encontros e desencontros, montanha-russa de emoções que habitualmente caracteriza o fado em “Encontrei-te mas perdi-te”? Igualmente fatal é a interrogação de qual é o melhor capítulo da história. Muito difícil a escolha mas, para além dos que já referi, destaco ainda “Dizem que o fado nasceu” cuja melodia se solta agora mesmo nas paredes que me rodeiam e “Saudade vai-te embora” com uma mistura deliciosa de acordes (aqui aproveito para homenagear os responsáveis pelos sons libertados pelas cordas dos instrumentos, em especial a guitarra portuguesa).
E já que se fala em destaques não posso esquecer Vítor Reino que as palavras de agradecimento da Ana “O seu talento extasiou-me” bem ilustram e de que não duvido a olhar à amostra do que conheço do seu trabalho ao comando do grupo Flamma Voccis, que já me deliciou o espírito algumas vezes.
Agora que chegou ao fim uma vez mais e o silêncio impera nesta casa, fiquei a pensar que se não gostasse tanto oferecia-o à pessoa que mais admiro e que por sua vez admira o fado – a minha mãe. Mas vou emprestar-lhe, antes que se risque, pois tudo o que é bom na vida só o é para mim se for partilhado. Gosto de ver a marca que as sensações que me tocam os sentidos deixam nas outras pessoas.
Em suma, se na Ana Moura destaquei a voz quente, roucamente aveludada, na Ana Guerra enalteço a voz poderosa, altiva, atingindo ambas mas com textura diferente os mesmos píncaros da guitarra e as nostálgicas vibrações das suas cordas.
É a Ana Guerra com a sua “Maria das Quimeras”, um álbum que atinge na plenitude o que mais procuro numa história cantada – o vício. Posso dizer que não é amor à primeira vista mas de cada vez que o deixo rolar na aparelhagem já só espero pelo final para repetir a dose.
Quem tiver o privilégio de ouvir seus fados viajará num carrossel de emoções desde a velocidade de corridinho saltitante em “Quem brinca com fogo” onde podemos recordar sábios ditados populares até à velocidade cruzeiro com sonoridade que a minha (in)cultura musical lembra Rodrigo Leão em “Quero ser somente”. E que bem que Camões regressa após séculos no seu sono profundo com o seu “Amor é fogo que arde sem se ver”. O berço deste sentimento entoado nos seus bairros castiços também não é esquecido pois “Lisboa é sempre Lisboa”. E que tal naufragar na fatalidade de encontros e desencontros, montanha-russa de emoções que habitualmente caracteriza o fado em “Encontrei-te mas perdi-te”? Igualmente fatal é a interrogação de qual é o melhor capítulo da história. Muito difícil a escolha mas, para além dos que já referi, destaco ainda “Dizem que o fado nasceu” cuja melodia se solta agora mesmo nas paredes que me rodeiam e “Saudade vai-te embora” com uma mistura deliciosa de acordes (aqui aproveito para homenagear os responsáveis pelos sons libertados pelas cordas dos instrumentos, em especial a guitarra portuguesa).
E já que se fala em destaques não posso esquecer Vítor Reino que as palavras de agradecimento da Ana “O seu talento extasiou-me” bem ilustram e de que não duvido a olhar à amostra do que conheço do seu trabalho ao comando do grupo Flamma Voccis, que já me deliciou o espírito algumas vezes.
Agora que chegou ao fim uma vez mais e o silêncio impera nesta casa, fiquei a pensar que se não gostasse tanto oferecia-o à pessoa que mais admiro e que por sua vez admira o fado – a minha mãe. Mas vou emprestar-lhe, antes que se risque, pois tudo o que é bom na vida só o é para mim se for partilhado. Gosto de ver a marca que as sensações que me tocam os sentidos deixam nas outras pessoas.
Em suma, se na Ana Moura destaquei a voz quente, roucamente aveludada, na Ana Guerra enalteço a voz poderosa, altiva, atingindo ambas mas com textura diferente os mesmos píncaros da guitarra e as nostálgicas vibrações das suas cordas.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Os olhos do próximo são o melhor espelho
Imóvel no meu banco relativamente confortável, relativamente é uma palavra bem empregue porque, para o que quer que seja, encontramos sempre algo nos intervalos adjacentes inferior e superior numa escala que, por si só, já é bastante subjectiva.
Colado à janela levo a companhia do sol que vai aquecendo todos os seres mais ou menos inanimados mais ou menos seguros pela gravidade emanada das profundezas do solo que vão palmilhando desde a alvorada. As gotas de orvalho suspensas nos braços descascados das árvores geometricamente separadas há muito que se eclipsaram. Os raios de luz que transpõem a massa gasosa que define a forma esférica do planeta deixam-me num estado febril que a custo vou resistindo para não me deixar levar pelo sono provocado. Como que reagindo à hipnose giro a cabeça para a janela oposta e avisto uma encosta forrada por um manto verde e castanho respectivamente pintado pela diversidade de plantas e pela vegetação amadurecida que um par de cavalos brancos vai consumindo em saudável competição. Este cenário preenche quase toda a janela, deixando espaço apenas o suficiente para se ver que o céu está azul vivo riscado de sangue branco que as passarolas (como diz Saramago no seu Memorial do Convento) a motor provocam ao rasgá-lo sem dó nem piedade a velocidade estonteante. O mesmo céu que se reflecte no rio, entretanto emergente na paisagem, cruzado por duas pontes que apresentam duas eras na construção, a do ferro e a do betão, no meio das quais um solitário pescador no seu barco suspenso sobre as águas pacíficas, esperando irredutivelmente que alguém morda o anzol, vê a imagem dos seus olhos ser devolvida pelo frio espelho e, através dos quais, o reflexo de todo o cenário que aqui se vê transcrito num pequeno excerto, consciente que está quem escreve de que seria um desafio tão exequível descrever tudo o que vê como conseguir esconder-se da sua própria sombra...
Colado à janela levo a companhia do sol que vai aquecendo todos os seres mais ou menos inanimados mais ou menos seguros pela gravidade emanada das profundezas do solo que vão palmilhando desde a alvorada. As gotas de orvalho suspensas nos braços descascados das árvores geometricamente separadas há muito que se eclipsaram. Os raios de luz que transpõem a massa gasosa que define a forma esférica do planeta deixam-me num estado febril que a custo vou resistindo para não me deixar levar pelo sono provocado. Como que reagindo à hipnose giro a cabeça para a janela oposta e avisto uma encosta forrada por um manto verde e castanho respectivamente pintado pela diversidade de plantas e pela vegetação amadurecida que um par de cavalos brancos vai consumindo em saudável competição. Este cenário preenche quase toda a janela, deixando espaço apenas o suficiente para se ver que o céu está azul vivo riscado de sangue branco que as passarolas (como diz Saramago no seu Memorial do Convento) a motor provocam ao rasgá-lo sem dó nem piedade a velocidade estonteante. O mesmo céu que se reflecte no rio, entretanto emergente na paisagem, cruzado por duas pontes que apresentam duas eras na construção, a do ferro e a do betão, no meio das quais um solitário pescador no seu barco suspenso sobre as águas pacíficas, esperando irredutivelmente que alguém morda o anzol, vê a imagem dos seus olhos ser devolvida pelo frio espelho e, através dos quais, o reflexo de todo o cenário que aqui se vê transcrito num pequeno excerto, consciente que está quem escreve de que seria um desafio tão exequível descrever tudo o que vê como conseguir esconder-se da sua própria sombra...
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