quarta-feira, 6 de maio de 2009

Perdido na serenidade da noite

Que boa sensação esta de caminhar pela avenida às 10 da noite com um ar envolvendo-me o rosto… um ar leve, quente, sereno, de quando em vez arrefecido por uma brisa que parece soltar-se de um leque gigante que a lua no seu estado barrigudo vai agitando. As luzes quietas sobre a minha cabeça, as luzes em movimento de carros que circulam a um ritmo bem mais calmo, de uma cadência ritmada pelas palpitações de quem já não corre para chegar ao trabalho ou no sentido inverso. Sigo a minha própria sombra e as luzes e ruídos da rua acabam por ser o bálsamo para relaxar de um dia que me deixou completamente esgotado. Mas também a um ritmo constante ouvem-se os voos rasantes de pássaros gigantes de asas bem abertas e garras afiadas prontas a agarrar-se ao chão do grande terraço, não o suficiente para algumas pessoas e então venha do lado de lá um ainda maior que megalomanias como esta só estão ao alcance de mentalidades pequenas de um pequeno país. Só assim se justifica que estejam sempre a aparecer e a vangloriar-se as maiores coisas da Península, da Europa e até do Mundo. Mas a minha ideia é mesmo voltar ao meu momento de descontracção imperturbável embora um momento como este em que se inspira o ar extenuado mas aliviado da noite só é possível se vivermos numa grande cidade! O ar do campo não se cansa, por isso também não conhece a sensação de alívio.
Apanho o comboio que me há-de levar para fora da mesma, para o outro lado do seu fiel companheiro que a refresca todas as manhãs… sinto a elevar-se o meu lado mais urbano, este meu lado que deseja ardentemente construir a vida dentro de uma cidade, que faz adormecer o meu eu com modo de vida idealizado em convívio com a natureza. Acho que estou mesmo a precisar de ler “A Cidade e as Serras” do Eça para ver se esclareço as dúvidas, talvez queira mesmo o melhor destes dois mundos, o de cimento firme e hirto e o de terra em nuvens de pó. Mas estou curioso e ansioso por ter tempo para desbravar esta obra, tenho-a a olhar para mim e a suspirar para sentir-se segura nas minhas mãos, o dedo indicador a postos para virar a página, os olhos gulosos bebendo-lhe o néctar… os mesmos olhos que já vêem ao fundo as luzes da 25 de Abril, que não se cansam de a contemplar, à noite torna-se um pêndulo parado sobre as margens, uma ponte que rivaliza em estilo com a fantástica e arrebatadora D. Luís e surge aqui mais um duelo norte-sul mas um duelo bem saudável, mostrando o melhor de dois mundos.
A acompanhar-me na travessia passa uma música de sonoridade triste mas nem por isso deixa de fazer parte da minha banda sonora, “November Rain” dos Guns n’Roses que contrasta positivamente com a explosivamente enérgica “Sweet Child O’Mine” (a minha preferida neste capítulo da energia) embora ultimamente tenha sido despertado para “Patience” que começa com o vocalista ainda menino a assobiar e que eu nunca aprendi pois quando era miúdo concentrei-me de forma excessiva na missão de como apertar os atacadores e deixei de parte o assobio e também a arte de bem-fazer balões com pastilha elástica. Mas paciência, até podemos querer ter o mundo na palma da mão mas mesmo que o conseguíssemos não podíamos fazê-lo parar e logo a seguir haveria de se soltar para a liberdade e, se nos ofereceram o privilégio de aqui ter lugar então é para desfrutar o que tem para nos dar mas não para o querer de assalto tomar.