Aproveito para sair um pouco mais cedo e fazer uma descontraída 'promenade' fotográfica por Lisboa, ao encontro de espaços que ainda não explorei. Rumo ao Campo Pequeno e contemplo a monumental praça, sigo a Avenida da República (esta em comemoração de quase um século de vida), bloqueio nas obras do metro obrigando-me a desviar mas um desvio perfumado pois, na esquina seguinte, invade-me o aroma do café oriundo de Timor, São Tomé e Príncipe, Brasil, …, de uma loja tradicional que por momentos transporta-me até distantes e encantadoras paragens. Vagueio sobre as pedras abrigadas pelas árvores do parque verde da Fundação do grande benemérito Calouste Gulbenkian, ouço os pássaros, percorro com o olhar a rota dos patos no lago, perco a noção da cidade lá fora. É este bálsamo mágico uma dádiva destes espaços que rejuvenesce quem os visita.
De novo na confusão subo até ao Jardim da diva, Amália Rodrigues, suspendo os meus olhos no horizonte desde os geométricos jardins do Parque do monarca britânico, Eduardo VII de seu nome, até ao vaidoso Marquês de Pombal que do alto do seu pedestal espreita o Tejo ao fundo, espelho da “sua” Baixa e dos bairros que rivalizam anualmente na Avenida que por Liberdade a tomaram e por entre os quais escorre. Exploro a Estufa Fria, e a Quente também, para de seguida me deixar levar pela brisa que sopra em direcção ao rio. Meia cidade percorrida e chego enfim a Santa Apolónia, imortalizada pela chegada do general “sem medo”, Humberto Delgado.
É na estação que avisto alguém que a minha memória vislumbra de tempos idos da Universidade. Não sei o nome mas ainda não esqueci que ao seu lado fiz alguns exames; provavelmente nem me conhece mas gostei de o rever, saber que por cá anda, com a batuta da vida na mão, fazendo o seu percurso de forma acelerada. E que nostalgia me deixou a pensar no que seria a nossa vida se pudéssemos ter por perto toda a gente que vamos conhecendo e que nos enriquece a existência. Não sei se seria bom mas deixa-me bastante curioso. E porque não um desafio mais ambicioso: cada um conhecer toda a gente deste mundo; descermos à rua e com quem quer que nos cruzássemos saberíamos exactamente quem tínhamos pela frente. Teria pelo menos um efeito negativo, perdia-se o mistério do rasto que rostos desconhecidos que os nossos sentidos encontram a todo o instante deixam quando lhes perdemos o alcance.
Agora que os vinhedos ribatejanos passam pela minha janela e nos campos convivem sadiamente touros e cavalos (será que imaginam o confronto que os humanos um dia lhes determinam?, quem sabe na praça onde comecei o meu passeio...), é hora de deixar a caneta e o papel e passar os dedos por uma revista de viagens. A imagem de capa desafia o sonho, nada mais que o Transiberiano que me faz saltar da real viagem do Intercidades para a imaginária Grande Travessia Intercontinental. Um dia, talvez…